Encontrar é se perder. E vice-versa

Encontrar é se perder. E vice-versa

Não, eu não tenho certeza de nada. Não imagino o que vai acontecer agora. Sei lá que rumo tomarão nossas vontades estranhas, elas que de tão livres ousaram atravessar a vida e nos descobrir sozinhos aqui, bichos simples e doces na noite alta. Nem desconfio onde isso vai dar, não tenho ideia do caminho a seguir.

Quanto tempo nos cabe, sei tampouco. Nem o tempo suspeita. Só Deus sabe, mas o tempo divino é outro, não é? Acontece para muito além das pequenas coisas cá debaixo. É o insondável, a mirada impossível, a eternidade de cada segundo. Melhor não tentar contar. Mais certo é viver.

Se existir uma ordem secreta dos anjos, uma convenção dos santos, uma resolução divina determinando os encontros incríveis, nós estamos em pauta. Na mira. Sondados pelo destino que nos convida a atravessar a rua correndo, sair na chuva, rasgar velhos papéis, passar o carro na frente dos bois e ver no que dá. No mínimo, os bois agradecerão o instante de remanso na lida só porque você e eu nos encontramos.

Nesses dias de demolição vertiginosa da estima, da ternura e do entendimento, qualquer coisa estranha se deu quando nos achamos. Alguém, em algum lugar, fez uma coisa boa porque duas almas acesas, em estado de franca compreensão, idênticas criaturas do contra, agitadores silenciosos pensando alto de madrugada e falando baixo para não acordar os vizinhos se esbarraram por aí.

Os revólveres emperraram, as guerras cessaram, os ódios amainaram, os ímpetos de morte desapareceram. Nós nos achamos! E isso é tão maior que esse tempo demarcado, restrito! É tão grande que não cabe nos sessenta minutos de cada hora, nas vinte e quatro horas de um dia, nos trezentos e tantos dias do ano. Extrapola, explode e nos divide em milhões de possibilidades espalhadas no tempo e no espaço.

Ah, se o resto do mundo tivesse um tempo próprio como o nosso! Se tudo que há debaixo do céu também obedecesse à nossa lógica simples as coisas seriam diferentes. Seríamos você e eu e os nossos confirmando nossa inclinação profunda para a vida, o trabalho, o amor.

E o mundo seria aos poucos reconstruído em mutirão. Tudo isso há de existir, mas não há aqui, por enquanto, a menor ideia de onde, de que jeito isso irá se dar.

Conosco, temos só essa alegria de quem encontrou o que queria da vida, essa vontade sincera de seguir adiante e nenhuma, nenhuma certeza além da que nos achamos para nos perder. E vice-versa.

André J. Gomes

É professor e publicitário.