Quando voltar a chover. Quando a vacina chegar. Quando sair aquela promoção na empresa. Quando o amor vier. Quando a gente se casar. Quando fizermos neném e ele chutar a sua barriga. E se for uma menina? Quando der os primeiros passos. Quando tirarmos os pés da lama. Quando o Dalai Lama desencanar com a humanidade. Quando o preço do boi-em-pé disparar no mercado de commodities. Quando a sua mãe me entender. Quando tivermos casa própria. Quando o Palmeiras for campeão do mundo. Quando eu ficar fluente em inglês. Quando conhecermos Nova York. Quando a Receita depositar o último lote de restituição do imposto de renda pessoa física. Quando colocares silicone nas tetas. Quando pintares o teto de azul e os cabelos de vermelho. Quando eu operar a fimose. Quando pintar uma chance de ouro. Quando eu vender o fusca que recebi de herança. (Quando Nick morreu afogado, tudo ficou mais triste). Quando terminar o inventário. Quando entrar um dinheiro. Quando pagarmos as custas advocatícias. Quando eu tiver tempo. Quando nos mudarmos para uma casa de muro baixo, sem cacos de garrafa, cerca elétrica e concertina. Quando eu for demitido sem justa causa. Quando eu sacar o FGTS. Quando eu ler Herman Hesse. Quando eu ficar rico. Quando voarmos num voo charter. Quando abrirmos um negócio-da-China. Quando eu aprender o mandarim. Quando mais ninguém mandar em mim. Quando ligares as trompas. Quando eu mexer os pauzinhos. Quando as crianças crescerem e saírem de casa. Quando eu trocar de IPhone. Quando o PSA aumentar. Quando trocar esse governo. Quando descobrirem a cura do câncer. Quando a pandemia acabar. Quando o dólar cair. Quando eu receber alta hospitalar. Quando tirarem esta maldita sonda do meu corpo. (Quando eu chegar em casa mais tarde, a gente conversa sobre sermos felizes para sempre). Quando sempre for todos os dias. Quando chegar a hora. Quando tocar a valsa vienense. Quando a poesia de Drummond for declamada nos pátios das escolas em substituição ao hino nacional. Quando a escalada de fake news ruir. Quando tudo isso passar. Quando papai-do-céu tomar juízo. Quando Deus der bom tempo e já for tarde demais para ser triste.
Tarde demais para ser triste
Eberth Vêncio
É escritor e médico.