20 de novembro é uma data escolhida como marco reflexivo. Nesse dia, em 1695, em Alagoas, morria um negro que fora denominado Francisco — mas que ficou eternizado como Zumbi dos Palmares —, símbolo da resistência de um povo escravizado e marginalizado. A escolha por uma data tão emblemática teria o condão de trazer à baila uma autocrítica social diante da perpetuação das práticas de violência estrutural direcionadas ao povo negro. No Brasil das desigualdades gritantes, contudo, é apenas mais um dia em que o sangue negro continua sendo derramado. Nos últimos tempos, não há erro: basta chegar o dia 20 de novembro para que haja o compartilhamento maciço do eterno vídeo de Morgan Freeman refutando a ideia de um dia com tal conotação reflexiva. Atrelados a isso, há os incomodados históricos, que apontam Zumbi como um subversivo senhor de escravos que não deveria ser consagrado como herói. Todo esforço parece ser válido para tentar desmerecer ou diminuir o valor do dia 20 de novembro, desviando o foco de seu real objetivo: o de enaltecer um povo estigmatizado e consolidar a luta de um movimento sempre silenciado. Não à toa, apesar de haver uma lei federal instituindo a data, pouco menos de 20% dos municípios a adotam como feriado. Nada é por acaso.
Os resultados práticos não poderiam ser diferentes. A realidade cruel nos mostra que o povo negro é o principal alvo dos homicídios no país. A violência faz parte da rotina dessa parcela da população, que convive diariamente com o cheiro do sangue de seus semelhantes pairando no ar. Todos os dias, assistimos apavorados, reiteradamente, casos como os do menino João Pedro, morto em uma operação policial; do garoto Guilherme, sequestrado e encontrado morto; do jovem Miguel, negligentemente deixado cair de um prédio. O caso mais recente é o de Beto, assassinado em frente a um grande supermercado de renome nacional, por dois seguranças do estabelecimento, às vésperas do dia da Consciência Negra. Todos esses mortos eram negros. Todos vítimas de uma engrenagem viciada, que parece massacrar apenas uma parte da população.
Para aqueles que defendem que haja a valorização de uma “consciência humana” em detrimento do dia da Consciência Negra — e que, coincidentemente, são basicamente os mesmos que odeiam a existência de um movimento que grita que vidas negras importam —, a vala da história será a recompensa. Já que desfrutam do comodismo privilegiado de não ter que enfrentar todos os dias o preconceito, o racismo e a violência, essas pessoas deveriam oferecer, pelo menos, o silêncio em respeito ao que nos apresenta a nossa tragédia de vida real. Enquanto elas vociferam por uma igualdade formal irracional, mais e mais negros percebem o quanto seus corpos são descartáveis para a sociedade. E no momento em que a mídia segue em busca de um Biden brasileiro para chamar de seu, o país segue matando inúmeros Georges Floyd nacionais, vítimas desse sistema racista. É que, por aqui, parece mesmo inexistir qualquer vestígio de consciência humana — e talvez essa seja a verdadeira reflexão a ser feita neste dia 20.