Eu venho escrevendo sobre a problemática do conteudismo e do ensino remoto para a Educação Básica desde que isso tudo começou, mas parece que existe uma confusão e eu preciso esclarecer: reprovar um modelo de ensino que está levando profissionais da educação, alunos e famílias à exaustão não é o mesmo que criticar o professor, seu trabalho e seu esforço.
Acho que nós, professores, estamos muito fragilizados e vulneráveis nessa sociedade onde somos desvalorizados todos os dias. Então, qualquer crítica ao modelo de ensino soa como crítica aos profissionais. Eu sei que você, professor, está trabalhando dobrado, está exausto, fazendo absolutamente tudo para dar seu melhor. Ninguém está te julgando.
No entanto, é importante a gente saber que criticar o modelo de ensino é, também, nos defender de um sistema que nos adoece e explora. O ensino remoto, por exemplo, colocou muitos profissionais em situações complicadas: muitos tiveram que comprar equipamentos com seus próprios recursos, outros tiveram seus salários reduzidos e o trabalho, dobrado, teve professor que precisou montar um estúdio em casa, tem professor dando aula na cozinha, tem professora que é obrigada a usar maquiagem para gravar vídeos! Isso não te parece absurdo? É isso que estou criticando. Não você. Não seu trabalho.
Uma coisa é defender nossos empregos. Quem pode perder emprego em plena pandemia? Não conheço ninguém. Outra coisa é defender um sistema que explora professores, sobrecarrega o aluno com milhares de atividades e culpabiliza famílias (mães, especialmente).
Outro ponto que me incomoda é o discurso de que quem está fora da escola não pode opinar sobre a escola. Oras, não somos uma ilha isolada. Somos parte da sociedade. Deveríamos querer diálogo. Precisamos ouvir e sermos ouvidos. Toda a sociedade deveria estar debruçada sobre o tema educação. Não me parece inteligente querer se isolar do mundo e — pior — reforçar uma rivalidade entre escola e família.
Numa tentativa de valorizar nosso trabalho, a gente erra a mão na vaidade, eu acho. “Só eu, professor, posso falar de educação”, “se estou me esforçando pra dar aula, a família tem mais é que calar a boca”, “a escola não é depósito de criança”. Professores estão cansados, sim. Sobrecarregados, sim. Sem amparo, sim. Mas, nada disso justifica não reconhecer que o ensino remoto, principalmente nas escolas públicas, não está chegando aos alunos. Tem aluno que não tem acesso à internet, não tem computador, não pode imprimir, não tem ajuda familiar. Você pode passar o dia todo gravando um vídeo mega-blaster-super-especial, mas se o aluno não tiver internet, de que adianta. O nome disso é: falta de política pública. Reconhecer que falta política pública para a educação não é uma derrota profissional. É exercer nossa cidadania. É o que faz a gente ser humano, ter empatia, pensar no outro. Nem tudo é sobre mim. Ensino não é unilateral.
Tem hora que a gente precisa guardar o ego numa caixinha e tirar humildade, informação e maturidade do fundo do armário. Críticas ao sistema não são sobre o seu trabalho, sua aula e seu esforço. Essas críticas são, inclusive, para melhorar sua condição de trabalho.
Dany Santos é autora da página Quartinho da Dany