2020 foi um ano sombrio, mas uma boa dose de literatura pode salvar o mais desolador dos dias. Para os leitores que estão programando as leituras de 2021, a Bula reuniu em uma lista 15 indicações de obras essenciais. A seleção foi realizada pelos editores e colunistas da revista e abrange livros que apresentam reflexões profundas sobre a vida, o passar do tempo e o comportamento humano. Entre eles, estão o clássico “A Morte de Ivan Ilitch” (1886), de Lev Tolstói; a distopia “O Processo” (1925), de Franz Kafka, e o recente drama familiar “Afetos Ferozes” (2019), de autoria da jornalista Vivian Gornick. Os títulos estão organizados de acordo com o ano de lançamento: do mais recente para o mais antigo.
Neste romance de não ficção, a jornalista e ensaísta Vivian Gornick perambula pelas ruas de Manhattan com sua mãe idosa. Ao longo desses passeios repletos de histórias, lembranças, reprimendas e cumplicidades, conhecemos a história da luta de uma filha para encontrar o seu lugar e a sua voz no mundo. Desde cedo, a pequena Vivian sofre a influência de dois modelos femininos bastante distintos: o da mãe neurótica, teimosa e inteligente; e o de Nettie, sua apaixonada vizinha, viúva, mãe de um bebê, perfeitamente consciente de sua própria sensualidade. Essas duas figuras representam padrões que a jovem Gornick detesta e anseia ao mesmo tempo, e que vão determinar seu relacionamento futuro com os homens, com o trabalho e com outras mulheres pelo resto da sua vida.
Por meio do dilema pessoal e profissional de um personagem, Cristovão Tezza constrói um panorama atualíssimo do Brasil em tempos de Lava-Jato. No livro, o economista Otavio Espinhosa toma uma decisão radical: abdicar do sexo. O que parece piada se revela uma profunda crise: um casamento falido, problemas com o filho, o fim de sua carreira acadêmica e a experiência de ter tentado enriquecer como guru de autoajuda. Também a carreira de Otavio parece estar em perigo, pois tudo indica que ele será demitido da empresa de investimentos onde trabalha. Aos poucos, a narrativa vai destrinchando a investigação de um esquema no qual Otavio pode ou não estar envolvido.
Constituído inteiramente por um diálogo, o livro é centrado em Amanda, mãe de uma garota chamada Nina. Ela conversa com David, o filho de Carla, uma amiga que mora na vizinhança. Os dois estão numa zona rural da Itália, onde o campo se transformou significativamente devido ao uso de agrotóxicos. Agora, impera um clima sombrio na região. Animais e pessoas começam a morrer em circunstâncias obscuras. Por meio do diálogo entre Amanda e David, o leitor deve juntar as peças para descobrir o que está acontecendo. “Distância de Resgate” é o primeiro romance de Samanta Schweblin, apontada pela crítica como herdeira do realismo mágico de Júlio Cortázar.
“Laços” é um romance provocativo sobre os vínculos familiares e as amarras do casamento, escrito por um dos principais autores italianos da atualidade. Vanda e Aldo se casaram cedo e estão juntos há mais de cinco décadas. Ao voltarem de uma agradável semana de férias na praia, eles encontram seu apartamento completamente revirado. Reorganizando seus papeis, Aldo se vê forçado a encarar lembranças de décadas atrás, quando, durante os anos 1970, abandonou Vanda e os filhos para viver com outra mulher, incentivado pelo discurso da revolução cultural. As fissuras causadas por esse trauma familiar permanecem latentes no presente, tanto da relação de Vanda e Aldo quanto na vida de seus filhos adultos.
“Morreste-me” foi a obra que revelou o escritor português José Luís Peixoto. Em 66 páginas, Peixoto relata a morte do seu pai após um sofrido tratamento de saúde, o processo de luto e a experiência de voltar à casa onde viveu durante a infância, que agora está vazia. Sem o pai, a casa mergulha em um constante inverno, independente do passar dos dias: “Regressei hoje a esta terra agora cruel. A nossa terra, pai. E tudo como se continuasse. Diante de mim, as ruas varridas, o sol enegrecido de luz a limpar as casas, a branquear a cal; e o tempo entristecido, o tempo parado”. Peixoto se sente envolto pela morte e apenas as lembranças do pai ajudam a aliviar o presente.
Vencedor do Prêmio Goncourt, um dos mais importantes da França, “A Vida Pela Frente” foi um dos romances mais vendidos no século 20. Conta a história de Momo, um garoto muçulmano que vive sob os cuidados de Rosa, uma senhora judia. Sobrevivente de Auschwitz, Rosa abriga várias crianças filhas de prostitutas, com a intenção de dar alguma perspectiva de vida a elas. No subúrbio de Paris, em meio a imigrantes das mais diferentes nacionalidades, Momo comete pequenos delitos para cuidar de Rosa, que está cada vez mais prostrada devido a uma doença ainda desconhecida. Do atrito entre a inocência e a brutalidade do mundo sai a força de uma das histórias mais cativantes da literatura francesa recente.
“Stoner” conta a história da vida de um homem entre as décadas de 1910 e 1950: William Stoner, filho único de camponeses, está destinado a cuidar das terras da família, mas descobre sua paixão pelos estudos literários e se torna professor universitário. A partir desse ponto, narram-se o progressivo afastamento de Stoner da própria família, as relações complicadas com os colegas, as amizades tragicamente marcadas pela guerra, a difícil vida conjugal, o impossível amor clandestino por uma professora mais jovem e o encontro com a morte. Stoner reage às provações da vida com aparente impassibilidade e silencioso estoicismo, emergindo como um trágico herói da vida cotidiana. O livro, publicado pela primeira vez em 1965, foi lançado no Brasil em 2015.
“Neste livro, lugares, fatos e pessoas são reais. Não inventei nada”, escreve Natalia Ginzburg sobre sua obra mais célebre, “Léxico Familiar”. O romance narra a infância e a juventude da escritora, as memórias de sua convivência em uma família burguesa, letrada e judia, em meio ao fascismo e à Segunda Guerra Mundial. Caçula de cinco irmãos, a menina recria o passado ao lembrar das frases repetidas em família. No decorrer da narrativa, aparecem figuras proeminentes da cena italiana, como o editor Giulio Einaudi, o poeta Cesare Pavese, o historiador Luigi Salvatorelli, o escritor e pintor Carlo Levi e o industrial Adriano Olivetti (das máquinas de escrever), tratados com a intimidade de quem com eles conviveu.
Neste livro, Stefan Zweig constrói um perfil psicológico de Joseph Fouché, duque do século 18, político francês e ministro durante a Revolução Francesa e a napoleônica, notabilizado pela sua extrema falta de caráter e por seu individualismo. Zweig investiga a carreira de Fouché, carreira construída atrás do palco principal, e busca descobrir o segredo de sua força. Ele era capaz de abraçar qualquer ideologia e aceitar qualquer cargo, amoral e urdidor. Traiu a Igreja e todas as instituições da Revolução Francesa, derrubando, entre outros, Robespierre, Lafayette e até Napoleão. Fouché só não traiu sua viciosa e insaciável sede de poder e foi fiel a um único partido durante toda a vida: o da maioria.
“O Som e a Fúria” se passa na fictícia Yoknapatawpha County, e tem como tema central a história de uma antiga família aristocrática do sul estadunidense, descendente do General Compson, herói da Guerra Civil dos Estados Unidos. Dividido em quatro partes, narradas por personagens diferentes, o livro apresenta o enfrentamento do declínio e da dissolução da reputação da família Compson. Esta é considerada a obra mais importante do escritor norte-americano ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1949. A história surgiu em um período de isolamento e dificuldade financeira, depois que o autor teve seu terceiro romance recusado por diversas editoras.
Harry Haller acredita que sua integridade depende da vida solitária que leva em meio às palavras de Goethe e as partituras de Mozart: um intelectual próximo aos 50 anos, tentando equilibrar-se à beira do abismo dos problemas sociais e individuais, ante os quais a sua personalidade se torna cada vez mais ambivalente. Haller sente um permanente mal-estar, cuja fonte é sua inadequação à sociedade e à vida burguesa. Ele aluga um quarto na casa de uma senhora, onde pretende se isolar e se matar quando fizer 50 anos. Mas, ao conhecer Hermínia, Maria e Pablo; Haller embarca em uma viagem de autoconhecimento que pode levá-lo à redenção.
“O Processo” conta a história de Josef K., um bancário que é capturado e interrogado em seu aniversário de 30 anos. Ele está sendo processado por algo grave, mas não lhe avisam qual foi o crime cometido. As circunstâncias são absurdas, ninguém conhece a lei e a corte permanece anônima. Obstinadamente, mas sem sucesso, ele tenta lutar contra a barbaridade. Atônito, ele recorre às burocracias, cumpre todos os ritos inexplicáveis exigidos, comparece a tribunais e submete-se a ordens insensatas, de modo que se vê cada vez mais em dificuldade. Um romance sobre a angústia, a impotência e a frustração do indivíduo numa sociedade opressora e burocratizada, temas recorrentes em toda a obra de Franz Kafka.
Resgatado pela escuna Ghost, o náufrago Humphrey van Weyden logo descobre que seu pesadelo está apenas começando: o capitão por quem foi salvo, Wolf Larsen, o obriga a integrar a tripulação de seu navio, onde impõe uma rotina violenta e tirana aos tripulantes. No peculiar embate dos dois homens — entre a concepção de mundo primitiva do capitão e a civilidade e o moralismo de Weyden —, Jack London faz uma reflexão sobre o bem e o mal, os determinismos darwinianos da vida, o instinto de sobrevivência e a condição humana. O livro foi inspirado em uma experiência vivida pelo próprio Jack London, que caiu no mar após uma bebedeira e foi resgatado por um pescador.
Nesta novela, Tolstói narra a história de Ivan Ilitch, um juiz de instrução que, após alcançar uma vida confortável, descobre que tem uma grave doença. A partir daí, ele passa a refletir sobre o sentido de sua existência e percebe que poucos momentos que viveu realmente tiveram significado e que seu desempenho durante a vida foi superficial, tanto no trabalho quanto nas relações sociais. Preso ao leito, diante da morte iminente, o juiz tem a oportunidade de meditar sobre sua vida, algo que as preocupações corriqueiras o impediram de fazer antes. Ivan Ilitch quer morrer para dar um fim à dor, mas seu instinto de sobrevivência insiste em fazê-lo lutar pela sua vida.