Joe Biden, do Partido Democrata, foi eleito presidente dos Estados Unidos. Por que o presidente Donald Trump, do Partido Republicano, caiu em desgraça? Há várias causas. Primeiro, sob seu comando, os Estados Unidos permaneceriam como xerifão do mundo, não só em termos de política, mas também em termos de economia. De fato, sob seu comando, o país de Henry James continua sendo o número 1. Mas a China está cada dia mais próxima de superá-lo. Talvez o americano médio não acredite mais em Trump como o xerife que fala grosso e todo (o) mundo treme.
Segundo, na questão do combate à pandemia do novo coronavírus, Trump não soube liderar o país. Os governadores agiram com mais eficiência e perceberam a Covid-19 como uma coisa grave desde o início. O presidente só recentemente, quiçá por conveniência eleitoral, decidiu amenizar suas críticas. Mas continua dizendo que o vírus “é chinês” — o que não parece agradar tanto a população, que, no lugar de ouvir isto, quer sobreviver e manter seus empregos.
Terceiro, com a pandemia, a economia americana, que estava avançando, recuou. “É a economia, estúpido” — disse o marqueteiro James Carville.
Quarto, há o problema dos conflitos raciais. No lugar de agir como John Kennedy e Lyndon Johnson, que eram conciliadores e agregadores, Trump não agiu como um verdadeiro presidente, parecendo não (querer) compreender os acontecimentos. Como fala para guetos conservadores, tem dificuldade de perceber as movimentações sociais do país que dirige. Na questão dos conflitos raciais, quando negros foram assassinados, negros e brancos se irmanaram e foram às ruas. Os Estados Unidos foram às ruas em sinal de protesto. Um presidente mais atento, mesmo se conservador, teria uma palavra de conforto para as pessoas, sobretudo para os negros. Trump não soube dizer as palavras apropriadas, as que se espera de um presidente da República, que deve falar para todos, e não apenas para nichos. Um presidente representa o país, toda a sua população, não apenas os seus seguidores político-ideológicos.
No momento, não deixa de ser curioso verificar o contorcionismo verbal de admiradores de Winston Churchill tentando justificar a mediocridade brejeira de Donald Trump. A direita moderna não deve elogiá-lo só porque o presidente é de direita. A direita tem gente melhor. Aliás, não há uma gota de esquerdismo no liberal Joe Biden. Mas é um político, espera-se — só o poder revela o político —, civilizado.
“A Caminho da Guerra — Os Estados Unidos e a China Conseguirão Escapar da Armadilha de Tucídides?”, de Graham Allison, professor de Harvard, é um desses livros extraordinários. A “armadilha de Tucídides” é quando uma potência emergente ameaça a hegemonia da potência dominante. Pode resultar numa acomodação de forças ou, mais frequentemente, numa guerra. De dezesseis casos estudados, 12 terminaram em batalhas. No caso de Esparta (dominante) e Atenas (emergente), a primeira venceu, mas as duas saíram arrasadas. A Alemanha enfrentou a hegemonia da Grã-Bretanha, entre 1914 e 1918, e depois voltou a lutar, entre 1939 e 1945, perdendo os dois combates. A grande pergunta: a potência emergente, a China, e a potência dominante do século 21, Estados Unidos, vão à guerra, que seria tremendamente destrutiva? Parece difícil, dado, sobretudo, o arsenal nuclear de cada país. Mas não é impossível. Graham Allison apresenta uma série de caminhos que podem evitar uma tragédia. Mas uma coisa é certa: ninguém, nem os Estados Unidos — com Donald Trump, do Partido Republicano, ou Joe Biden, do Partido Democrata —, segura mais a China. Trump talvez tenha sido “inventado” pelo establishment americano exatamente para conter a China. Entretanto, seu isolacionismo não deu certo. Perto da China, um gigante, Trump se tornou, de certa maneira, um anão, um simulacro do Zangado. Napoleão, “dois séculos atrás”, disse: “Deixai a China dormir, pois, quando acordar, o mundo tremerá”. O gigante “acordou” — na verdade, nem estava adormecido — e o mundo, de alguma maneira, está aos seus pés. “A parcela chinesa na economia global saltou de 2% em 1980 para 18% em 2016, e ruma célere para os 30% em 2040”, assinala Graham Allison. “Pela maioria dos indicadores, a China já ultrapassou os Estados Unidos. Como maior produtora de navios, aço, alumínio, mobília, roupa, têxteis, celulares e computadores, a China se tornou o centro de fabricação mais poderoso do mundo. (…) A China é tanto a maior fabricante quando o maior mercado de automóveis.” O país asiático se tornou o “principal motor do crescimento econômico global”. “Entre 2011 e 2013, a China produziu e usou mais cimento do que o fez os Estados Unidos em todo o século 20”, sublinha o mestre de Harvard. “Em 2015 a China ultrapassou os Estados Unidos em número de bilionários e atualmente surge um novo bilionário toda semana.” “Em 2015, a Universidade Tsinghua passou o MIT no ranking do U. S. News & World Report e virou a universidade número um do mundo em engenharia. Das dez principais faculdades de engenharia, quatro estão na China e quatro estão nos Estados Unidos”, relata Graham Allison. “O supercomputador mais veloz do mundo não é encontrado no Vale do Silício, e sim na China. No ranking dos 500 supercomputadores mais rápidos do mundo, 167 são da China, dois a mais que os Estados Unidos. O melhor supercomputador chinês é cinco vezes mais rápido do que o computador americano que mais se aproxima dele”. A retórica de Joe Biden — mais amena, ainda que também imperial — talvez contribua para evitar que Estados Unidos caia na armadilha de Tucídides e, junto, leve o mundo para a Terceira Guerra Mundial contra a China
“Raiva”, sobre Donald Trump e seu governo, é o mais novo livro de Bob Woodward. No Brasil há quem pense que, se o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, é de direita, logo o ex-presidente Barack Obama é de esquerda, uma espécie de Lula da Silva ianque. Trata-se de uma ilusão, quiçá santa e benigna. Na terra de Herman Melville, Henry James e William Faulkner não há — e certamente não haverá enquanto o país continuar como um Império, ainda que republicano — espaço para um presidente de esquerda. Todos os políticos com chances reais de se tornarem presidente dos Steites são, necessariamente, integrantes do establishment liberal. Portanto, Barack Obama é liberal e não chega a ser socialdemocrata. Não é um político sueco ou norueguês disposto na nação de Scott Fitzgerald, que certamente adoraria escrever sobre a vulgaridade de parte da elite americana dos tempos atuais (nem mesmo Barack Obama, o grande Barack Obama, chega aos pés, em termos de mudança na sociedade americana, de Franklin D. Roosevelt). Presidentes democratas foram positivos para a política de direitos humanos no Brasil. Na época da ditadura civil-militar patropi, os EUA, presididos por Jimmy Carter, um democrata, pressionou por medidas liberalizantes e criticou a violência contra esquerdistas e democratas. Em termos de economia, os democratas sempre foram mais protecionistas do que os republicanos. Assim como, por vezes, foram mais intervencionistas. Donald Trump, apesar das bravatas, é mais isolacionista do que intervencionista. Donald Trump foi “inventado” por parte da elite americana para “isolar” os Estados Unidos, atraindo parte de suas empresas — que estão em outros países por causa de mão de obra e matérias-primas baratas —, mas o projeto parece “não” ter dado certo. Parte das classes médias aprecia o presidente porque representa teoricamente a força dos Estados Unidos — como o “mandão” no mundo (e o político, repita-se, é isolacionista) —, o país de Emily Dickinson e Marianne Moore “para os americanos”. Visto de fora, dado seu palavreado excessivo e virulento, Donald Trump é meio monstruoso — um Jair Bolsonaro “acenourado”. Os americanos em geral, fora do establishment democrata e da esquerda universitária, o percebem como um defensor intransigente dos Estados Unidos. Por isso, tem chance de derrotar Joe Biden, o candidato do Partido Democrata — que lidera as pesquisas de intenção de voto? Joe Biden lidera as pesquisas. É possível que, na batalha contra a China, as elites queiram mudar o discurso, retirando de cena a beligerância de Donald Trump e substituindo-a pelo soft power dos democratas? Se querem, vão deixar o republicano por conta própria, assistindo-o ser atropelado pela máquina democrata, que, embora também pertença ao establishment americano, soa quase de esquerda. Algumas de suas ideias, nas questões sociais e raciais, ainda que, insistamos, sejam diferentes do que faz a socialdemocracia europeia, são de fato mais avançadas do que as republicanas. São, digamos, mais atualizadas. O jornalista Bob Woodward, cujas reportagens — em parceria com Carl Bernstein — contribuíram para levar o presidente Richard Nixon à renúncia, há 46 anos, em 1974, é um mestre do jornalismo que busca entender os representantes do país de Walt Whitman de maneira mais ampla, sem preconceitos ou motivação ideológica. Seus livros julgam a partir da compreensão precisa do que mostra. No momento, está buscando entender Donald Trump. Parece ser fácil, porque o presidente é visto como unidimensional. O que o jornalista do “Washington Post” tem mostrado, por exemplo em “Medo — Trump na Casa Branca” (Todavia, 432 páginas, tradução de André Czarnobal, Paulo Geiger, Pedro Maia e Rogério Galindo), é como funciona, de fato, a mente do presidente e como governa. Agora, Bob Woodward lança “Rage” (“Raiva”), já disponível, na versão digital. O livro resulta de entrevistas concedidas por Donald Trump ao jornalista do “Post” (trabalha há 49 anos no jornal e é sempre consultado pela direção, inclusive pelo dono, Jeff Bezos). Entre as revelações de Bob Woodward está a de que Donald Trump sabia que a Covid-19 era muito grave desde fevereiro deste ano. Mesmo assim, o republicano minimizou os efeitos, em alguns casos letais, da doença. Bob Woodward, que já chegou a ser criticado por Donald Trump, publica no livro as cartas trocadas entre o americano e o ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un. O jornalista relata que o presidente americano, se critica o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, elogia ditadores. Ele se considera “amigo” do bárbaro coreano. As 17 entrevistas concedidas por Donald Trump são o ponto de partida do livro. Mas Bob Woodward ouviu outras pessoas e pesquisou documentos para escrever a obra.
“Medo — Trump na Casa Branca”, de Bob Woodward, conta que caos do governo dos Estados Unidos só não é maior porque a equipe do presidente é racional e defende o país das loucuras trompistas. Se alguém disser que o verdadeiro nome de Bob Woodward é Sr. Washington, não duvide. Poucos repórteres conhecem tão bem a política da corte dos Estados Unidos quanto o jornalista do “Washington Post”. Aos 75 anos, quando as pessoas começam a sossegar o facho, aposentando-se, Bob Woodward não para de publicar reportagens no “Post” — sua casa há mais de 46 anos — e livros de qualidade. Repórter rigoroso, ouve suas fontes cuidadosamente, checa o que dizem e publica as informações de maneira criteriosa. Conecta e burila o material e disto resulta que a condensação de dados de variadas fontes não pertence a nenhuma delas — o que, por vezes, gera conflito. Perde-se, por assim dizer, a sensação de “pertencimento”. Mas, em geral, os desmentidos não desmentem o que publica. Autor de densos livros de oportunidade, mas sem os oportunismos típicos de tais publicações, Bob Woodward debruça-se agora sobre as ações do republicano de cabelo de pica-pau no livro “Medo — Trump na Casa Branca”. O retrato que se tem de Donald Trump é assustador, sobretudo porque revela que se trata de um presidente incompetente para a coisa pública — que é diversa da coisa privada — e que seus principais auxiliares trabalham para controlá-lo. Os Estados Unidos têm uma tecnoburocracia altamente preparada, formada em Harvard, Columbia, Yale, Stanford, Princeton, MIT, que governa o país quase que independentemente das veleidades do presidente — seja democrata ou republicano. O repórter Philip Rucker, do “Post”, obteve uma cópia do livro de Bob Woodward e publicou a resenha “Trump é enganado por aliados para não deixar EUA em risco, relata livro de Woodward” (Luiz Roberto Mendes Gonçalves traduziu o texto para a “Folha de S. Paulo”). Sabendo o quão atoleimado Trump é, se falasse ao procurador especial Robert Mueller, possivelmente cometeria perjúrio. Para prepará-lo, John Dowd iniciou uma sessão de treinamento, de maneira provocativa, o que deixou o presidente irritado: “Isto é uma farsa maldita. Eu realmente não quero depor”. O inquérito sobre a participação da Rússia na eleição americana incomoda o republicano e chega a, por vezes, travar o governo. A paranoia é cada vez mais frequente. “Todo mundo está querendo me pegar”, vocifera, em tom lamentoso, o político boquirroto. Auxiliares estão assustados com seu comportamento idiossincrático e errático. Inicialmente, Trump não quis falar com Bob Woodward, depois, quando o manuscrito estava concluído, ligou para expor sua versão dos fatos. Agora, está propondo mudar a legislação americana, uma das mais abertas do mundo a respeito da liberdade de expressão, com o objetivo de censurar o livro do repórter e os que virão pela frente — a respeito, por exemplo, de seus escândalos sexuais. Uma das descobertas de Bob Woodward diz respeito à relativa autonomia dos auxiliares de Trump. Eles trabalham, às vezes de maneira sorrateira, para evitar prejuízos comerciais, morais e militares aos Estados Unidos e ao próprio Trump. O repórter menciona “um golpe de Estado administrativo” e um “colapso nervoso” do Executivo. Assessores graduados esmeram-se, numa conspiração justa — diria Norberto Bobbio —, em “retirar documentos oficiais da mesa do presidente para que ele” não os veja e não os assine. “A equipe de segurança nacional de Trump foi abalada por sua falta de curiosidade e conhecimento sobre assuntos mundiais e seu desprezo pelas perspectivas de líderes militares da inteligência”, relata Philip Rucker. “Em uma reunião do Conselho de Segurança Nacional em 19 de janeiro, Trump desconsiderou a importância da enorme presença militar dos EUA na península coreana, incluindo uma operação de inteligência especial que permite que os Estados Unidos detectem um lançamento de míssil norte-coreano em sete segundos (contra 15 minutos do Alasca).” O presidente questionou os gastos, e o secretário da Defesa, Jim Mattis, exasperado, explicou-lhe: “Estamos fazendo isso para impedir a Terceira Guerra Mundial”. Em termos de entendimento de política internacional, Jim Mattis avalia que Trump tem a percepção de “um aluno da quinta ou sexta série”. Não chega a ser um “Débil”, mas aproxima-se de um “Lóide” — aquela dupla do filme. O chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly, não esconde que Trump é um presidente “confuso”. “Ele é um idiota. É inútil tentar convencê-lo de qualquer coisa. Ele está descarrilado. Estamos em Loucolândia. Não sei por que alguns de nós estão aqui. É o pior emprego que já tive”, acrescentou Kelly, numa reunião. Nos momentos em que fica só, em seu quarto — uma “oficina do diabo”, segundo Reince Priebus, ex-chefe de gabinete —, sem o controle de auxiliares mais bem preparados, Trump divulga os tuítes mais malucos da paróquia. O secretário da Justiça, Jeff Sessions, é chamado de “traidor” por Trump. Porque se recusa “a supervisionar a investigação” do caso Rússia. “Esse cara é um retardado. É um sulista burro. Não podia nem ser um advogado pessoal no interior do Alabama”, afirma o presidente. Os auxiliares têm de corrigir Trump sobre várias questões, como os ataques falsos ao recém-falecido senador republicano John McCain. O presidente disse que “o ex-piloto da Marinha foi um covarde ao sair de um campo de prisioneiros de guerra no Vietnã mais cedo, porque seu pai era um militar graduado, e deixar os outros para trás”. Mattis cortou-o: “Não, presidente, acho que o senhor entendeu ao contrário”. “McCain havia na verdade recusado a libertação prematura e foi brutalmente torturado durante cinco anos na ‘Hanoi Hilton’, o centro de tortura usado pelos vietnamitas.” Trump recuou: “Ah, ok”. Em abril de 2017, quando o presidente da Síria, Bashar al Assad, “lançou um ataque químico contra civis, Trump chamou Mattis e disse que queria assassinar o ditador. ‘Vamos matá-lo, porra! Vamos lá. Vamos matar toda essa gente de merda’, disse Trump”. Para não contrariá-lo, Mattis afirmou que sua ordem seria cumprida. A um assessor, disse: “Não vamos fazer nada disso. Vamos ser mais comedidos”. “A equipe de segurança nacional desenvolveu opções para o ataque aéreo mais convencional que Trump afinal ordenou.” Gary Cohn, relata Bob Woodward, “roubou uma carta da mesa de Trump’ que o presidente pretendia assinar para retirar formalmente os EUA de um acordo comercial com a Coreia do Sul. Cohn disse a um interlocutor que tinha retirado a carta para proteger a segurança nacional e que Trump não percebeu sua falta. Cohn fez um jogo parecido para impedir que Trump retirasse os EUA do Tratado de Livre Comércio das Américas do Norte (Nafta), algo que o presidente ameaçava havia tempo”.
“O Inimigo do Povo — Uma Época Perigosa Para Dizer a Verdade”, do jornalista Jim Acosta, sugere que, mesmo numa democracia consolidada como a dos Estados Unidos, há riscos para a liberdade de expressão. Repórter da CNN, Jim Acosta faz perguntas que não agradam certos homens do poder, como Trump. O presidente americano decidiu proibi-lo de cobrir a Casa Branca, com o objetivo de colocar uma pedra no caminho de sua carreira jornalística. Poderia ter se conformado com o ato de força do gestor federal, mas optou por recorrer à Justiça, que o garantiu na cobertura do centro do poder americano. O que prova que, se há um presidente que afronta a democracia, há instituições que a protegem. Jim Acosta afirma que as “mentiras” de Trump, se não derrubam a democracia, cria uma zona pantanosa. Para parte do público o que diz um presidente “não” pode ser mentira, daí seguirem suas ideias. Mesmo quando se coloca a verdade em campo, para confrontar a pré-verdade ou a pós-verdade, fica a dúvida. No lugar da ciência, a opinião, ainda que seja a mais estúpida possível. A retórica do republicano, na opinião do jornalista, despertou talvez forças política sinistras nos Estados Unidos e no mundo. Com o livro, Jim Acosta afirma que pretende sublinhar que “os fatos importam” e que, mesmo sob risco de perseguição, é vital dizer a verdade. Numa entrevista à revista “Época”, Jim Acosta frisa que “o ‘Washington Post’ estimou recentemente que Trump fez 12 mil declarações falsas ou enganosas desde que assumiu o cargo. Qual seria o nosso senso de verdade e de realidade se a imprensa não o corrigisse? Como jornalistas, nossa missão é defender a verdade, não apenas noticiar os fatos”. “A democracia americana está sendo testada. Nunca tivemos um presidente dos EUA se referindo à imprensa como ‘o inimigo do povo’. A pergunta a fazer é: quando Trump terminar de chamar a imprensa de ‘inimigo’, quem será o próximo?”, ressalta o jornalista. Por sinal, Jim Acosta é esquerdista? Não. Tanto que se refere a Cuba como “ditadura”. Na verdade, é repórter e democrata. Portanto, sabe que os poderosos — uns mais acintosos, como Trump, e outros menos — tendem a não “amar” a verdade. O mais corriqueiro é tentar produzir uma verdade que seja conveniente ao seu projeto político. O livro “Guerra Secreta — A CIA, um Exército Invisível e o Combate nas Sombras” (Record, 391 páginas, tradução de Flávio Gordon), de Mark Mazzetti, dono de um Pulitzer, não trata Barack Obama com luvas de pelica. No seu governo, o Pentágono criou (ou desenvolveu) uma seção de espionagem e a CIA um esquadrão de assassinos. O resultado é que os dois espionam e matam. O establishment americano considera Obama como um líder duro e eficiente em política externa, especialmente em termos de guerra. O livro de Mazzetti acaba com a imagem angelical de Obama. O “santo” que aparece na imprensa não é o que joga pesado nos “bastidores”. O ex-presidente é um realista não hesitante.
“Revelando Trump — A História de Ambição, Ego e Poder do Empresário Que Virou Presidente”, dos jornalistas Marc Fisher e Michael Kranich, do “Washington Post”, é um livro que o presidente Donald Trump ajudou a vender ao criticá-lo: “O ‘Washington Post’ produziu às pressas um livro difamatório sobre mim… Não comprem, é chato!” Resta contrapor: compre, não é chato! De cara, os autores escrevem: “Donald Trump vive segundo o credo de qualquer atenção — elogiosa, crítica ou algo entre esses dois extremos — resulta em seu benefício; de que sua imagem pessoal define sua marca; de que ele é sua marca”. Em seguida, assinalam: “Seu verdadeiro negócio é Donald Trump, uma máquina de autopromoção tão bem-sucedida que o levou à Presidência do país mais poderoso do planeta”. Ele foi entusiasta do governo de Bill Clinton e apoiou Hillary Clinton para o Senado em 2000. O leitor vai acabar “acreditando” que se trata de um político brasileiro ao ler o seguinte: “Entre 1999 e 2012, mudou sete vezes de partido, ora tendo se registrado como republicano, ora como democrata, ora sem filiação nenhuma”. E o que é o trumpismo? “O trumpismo pode ser entendido como um movimento político difuso que ganhou força a partir de 2008, simbolizado por indivíduos às margens do sistema político estabelecido que ascendem com uma plataforma antiliberal nacionalista, que mistura mercantilismo e populismo com um viés fortemente anti-imigração”. Detalhe: o avô de Trump chegou aos Estados Unidos há 135 anos. Não é tanto assim para quem quer expurgar os novos chegantes. “Friedrich Trump era um emigrante ilegal.” Na construção do Trump Tower, o empresário Donald Trump usou mão de obra de imigrantes ilegais. Sabia que Trump escreveu poesia? Se duvida, confira: “Gosto de ver a bola fazer curva e o receptor pegar com sua luva. […] Quando o placar está 5 a 5, quero chorar. E quando eles fazem mais um ponto, aí então quero gritar. E aí o cara erra, bem diferente do Yogi Berra. O jogo acaba e a gente diz amanhã o dia vai ser mais feiz”. Sim, sim, o beisebol merecia mais. Assim como os Estados Unidos. Muda alguma coisa saber que o primeiro grande mentor de Trump, Roy Cohn, era gay? Não muda nada, claro.
Formada em Yale, Michiko Kakutani se tornou crítica literária do “New York Times”. Aposentou-se, recentemente, com o objetivo de escrever o livro “A Morte da Verdade — Notas Sobre a Mentira na Era Trump”. Numa entrevista ao jornal “O Globo”, Kakutani assinala: “O pós-modernismo cristalizou a ideia de que não há narrativas absolutas, que todas as verdades são parciais, fragmentadas e provisórias por serem filtradas pelos prismas de classe, raça e gênero”. Depois, frisou que há riscos para a sociedade democrática quanto o “comandante-em-chefe” é “mentiroso e” sua “administração regularmente opera com ‘fatos alternativos’”. Inicialmente, Donald Trump é mais consequência do que causa de um tempo de incerteza, quando as pessoas ficam inseguras e buscam paizões que “acreditam” que podem resolver “tudo”. Mais tarde, dada a influência dos Estados Unidos, país mais rico do mundo, Trump começa a ser “causa”, influenciando países da Europa e o Brasil de Jair Bolsonaro, espécie de Trump Macunaíma. Trump é pernicioso, sublinha Kakutani, sobretudo porque trabalha, de maneira metódica, para “minar as instituições que protegem o Estado de Direito” e para “suspender os sistemas de equilíbrio entre os três poderes”. No livro, Kakutani afirma que Trump “mente de forma tão prolífica e com tamanha velocidade que o ‘Washington Post’ calculou que ele fez 2.140 alegações falsas ou enganosas no seu primeiro ano de governo — uma média de quase 5,9 por dia. Ele ataca rotineiramente a imprensa, o sistema de justiça, as agências de inteligência, o sistema eleitoral e os funcionários públicos responsáveis pelo bom funcionamento do governo norte-americano”. O trumpismo universalizado colabora para a corrosão das “instituições democráticas” e troca “os especialistas pela sabedoria das multidões”. A nação de Abraham Lincoln e Franklin Delano Roosevelt apequenou-se sob o comando de Trump, um líder que mais desagrega do que une na busca de uma planeta melhor para todos. Quem pensava que Kakutani entendia apenas de literatura por certo ficará surpreso com seu amplo conhecimento de política. (Sua crítica literária pode ser conferida no livro “O Poeta ao Piano — Perfis de Escritores, Cineastas, Dramaturgos e Artistas em Ação”, Casa Maria Editorial, 263 páginas, tradução de Ana Arruda Callado.)
Euler de França Belém é editor do Jornal Opção.