É preciso mais sorriso no rosto

É preciso mais sorriso no rosto

Desde que eu soube da morte de Eddie Van Halen não fiz outra coisa senão lamentar, ler a seu respeito, ouvir o repertório da banda Van Halen e assistir aos vídeos nos quais ele aparecia debulhando a guitarra como se fosse o instrumento mais fácil de se tocar na face da Terra. A morte de artistas que eu admiro costuma me incomodar além do razoável. É como se fossem amigos próximos. Difícil de explicar.

Não vou pagar de fã-de-carteirinha da Van Halen, a banda na qual ele era guitarrista, líder e fundador, juntamente com seu irmão Alex, o baterista. Aliás, passando por uma imersão no repertório da banda, constatei que não sabia quase nada a respeito dela. Contudo, nada tão grave e tão negligente a ponto de deixar de reconhecer David Lee Roth como o mais talentoso e carismático dos três vocalistas que passaram pela banda.

A canção deles que mais gosto é “Jump”. Todas as vezes que a ouço — e isso começou nos anos 1980 — sinto comichões irreparáveis nas vísceras. O coração clama por adrenalina. Esse é o tipo de canção que me faz perder a compostura. Pulo que nem pipoca. Sinto a vida como um adolescente. Faço da escova de dentes um microfone durante dublagens patéticas no banheiro. É preciso ser patético. É preciso mais sorriso no rosto. Aprendo isso com pessoas iluminadas como Eddie Van Halen.

Eu não sabia que ele estava doente. Lutava, fazia muito tempo, contra um tumor que começou na língua, avançou pela garganta e desembestou pelo resto do corpo. Durante as minhas lucubrações tristonhas, inferi que o cigarro devia ser a origem famigerada do mal que o dizimou. Assistindo a inúmeros vídeos da banda, constatei que, além do show pirotécnico na guitarra, espetando os dedos longos no braço dela como se fossem tentáculos nervosos, era usual que ele aparecesse com um cigarro na boca, nos dedos ou espetado entre as tarraxas do instrumento que o consagrou como um dos maiores músicos de todos os tempos; provavelmente, o maior deles, desde Jimi Hendrix.

Além da companhia habitual do cigarro, chamou-me a atenção o fato dele estar sempre — quase sempre — sorrindo. Percebi que sorrir era uma espécie de marca registrada que ele trazia consigo desde os primórdios até a última aparição no palco. Impressionava a técnica que tinha desenvolvido para tocar a guitarra. Eu diria que ele a chamasse de “Meu bem”, enquanto deslizava nela os dedos, lépido, brincalhão, debochado, como se o virtuosismo fosse acessível a qualquer pessoa. Era evidente que Eddie se divertia à beça com os colegas de profissão. Profissão? Bem, aquilo era divertido demais para ser chamado de trabalho. Brincadeira. Isso foi pura força de expressão. Ninguém chegaria ao patamar técnico que ele chegou sem dedicação, estudo e prática exaustiva.

Durante o meu “luto”, foquei antes no sorriso do que no tabaco. Que fumar provocava câncer, arteriosclerose, enfisema e o escambau-a-quatro todo mundo já sabia. Sorrir, entender de sorrisos me interessava mais. De forma geral, os roqueiros assumiam semblantes sisudos, tensos, raivosos e, até mesmo, medonhos, passando para o público aquele velho espírito de rebeldia, tão apropriado ao rock and roll. Algumas bandas exageravam no jogo de cena. Eu tinha — e ainda tenho — medo da Slipknot. Eles tiram-me o sono seu visual macabro e a voz cavernosa.

Sim, estou exagerando. Na verdade, estou brincando e até mesmo sorrindo, no exato instante em que escrevo esta crônica. Puxei na maldita memória a lembrança de outros músicos que sorriam enquanto tocavam. Sinceramente, só me lembrei dos Beatles, ainda novinhos, na fase da beatlemania, um período da carreira em que se faziam de sonsos para dominar o planeta com enorme talento e carisma. Concluo que Eddie tocava para se divertir. Não era só um ofício de ganha-pão. Consta, por exemplo, que ele criou de graça o icônico solo de guitarra em “Beat it”, de Michael Jackson.

Depois de tanto lamentar a perda de Eddie Van Halen, aos 65 anos, não vou terminar este tributo esbravejando contra o tabagismo canceroso que lhe ceifou a vida. Isso é uma hipótese. Sorrir também é. Vou colar na sua positividade. Vou me inspirar no seu astral contagiante, raro. Neste triste mundo que construímos, é preciso mais sorriso no rosto, de preferência, cordial, sincero, espontâneo, magnético e capaz de influenciar multidões, como fez Eddie Van Halen, ao longo da sua exitosa carreira como um ícone da guitarra elétrica. Pode parecer patético, mas, acabo de me sentir triste. Tragam-me uma escova de dentes. Vou escutar “Jump” mais uma vez.  

Eberth Vêncio

É escritor e médico.