Seis cordas. Não mais do que isso. Tosin Abasi ou John Petrucci vão discordar, mas são necessárias apenas seis cordas para se produzir um gênio do rock. Eu mesmo me atrapalho tanto com seis que se existisse uma Gibson de cinco cordas eu já estava na fila de encomendas. Mas Eddie não. Ele se refestelava com seis cordas, tirava delas um som inacreditável, tal como Chico Buarque forjou no trigo o milagre do pão. Quando eu escutei pela primeira vez as notas de “Eruption”, tive a mesma reação que os críticos incrédulos tiveram em 1978: só pode ser teclado; ou isso ou o homem tem cinco mãos.
E então me amaldiçoei por não ter sido um fanático de primeira hora em Van Halen: depois de anos conhecendo Eddie apenas pela comercialíssima “Jump” e pela contribuição com Michael Jackson no solo de “Beat it”, eu fiz minha audição do primeiro álbum, o já referido autointitulado de 1978.
Foi um marco em minha modesta vida musical, pois a música de Eddie e seus parceiros — seu irmão Alex na bateria, Michael Anthony no baixo e David Lee Roth nos vocais — trouxe o que me faltava naquela adoração pelo rock and roll: irreverência aliada à qualidade técnica.
E que qualidade. Não se deve dizer que Eddie Van Halen tenha sido apenas um virtuoso em busca de mostrar ao mundo que conseguia digitar um milhão de notas por segundo: suas composições, seus solos e melodias tinham alma, o tal feeling que tanto aclamamos em David Gilmour, Eric Clapton e Jimi Hendrix, por exemplo.
Não bastasse tudo isso, há as inovações que, se Eddie não criou, pelo menos popularizou no uso da guitarra elétrica, como o tapping, que é algo como martelar notas no braço da guitarra com a mão rítmica — para quem é destro, a mão direita.
Com tudo isso, o homem se tornou uma lenda. De lenda, tornou-se uma instituição. Não se fala em solo de guitarra sem se falar em Eddie Van Halen.
Mas há uma breve e divertidíssima participação desse deus da guitarra em um episódio de Two and a Half Men em que, para quem tiver a curiosidade de ver (é curtinho), consegue-se perceber, especialmente hoje com muita tristeza, que mitos e lendas também são humanos.
E é essa humanidade — a brevidade da vida, como diria Sêneca — que nos embebece da magia que causava inveja aos deuses. Somos mortais, o que nos permite dizer que vivemos, pois, se a vida é eterna, é uma não-vida, que perde seu valor por não correr qualquer risco de perecer — daí a inveja dos deuses.
Como um deus mortal, Eddie se vai muito cedo, vítima de um câncer que o consumiu por cerca de dez anos, durante os quais ele não deixou de nos brindar com sua música e sua técnica, mostrando-nos que, mesmo no limiar da brevidade da vida, ainda podemos ressoar como seis cordas, ainda que sejamos tão efêmeros quanto um solo de guitarra.