Não gostar de ler é um insulto. Calma, eu explico! Em tempos de informação fácil, disponibilizada gratuitamente por meio da internet, com acervos inteiros em sites especializados, robustos compêndios acessíveis, discursos simples e complexos, artigos de divulgação e livros digitalizados, para todos os gostos e apetites, obter uma boa leitura tornou-se algo democrático. Sobretudo, enquanto existem os experts de Whatsapp, informação de qualidade é essencial. Nem é preciso dizer que os professores, formadores de opinião por excelência, são os legítimos bebedores dessa fonte. Leitura não é só importante, é fundamental! Lendo se aprende a ler e escrever. E digo isso, porque saber ler é uma qualidade baseada na formação. Subestimada, a leitura é a grande heroína de todos os tempos. É um clichê, mas ler faz viajar! Literalmente, esse ditado faz sentido e pode ser extrapolado em outra direção. É possível conhecer o mundo por meio dos livros e, também, há uma possibilidade de contar sobre o mundo escrevendo um livro. Ou, reformulando, viajar faz ler.
Essa é uma boa premissa para cultivar novos educadores com conhecimento além daquele obtido em sua formação básica. Em todos os ambientes de ensino, Literatura pode ser inserida, para incrementar o discurso, melhorar o aprendizado e dar exemplos amplos de características especificas de disciplinas escolares. Na Literatura de ficção, por exemplo, autores de renomada importância sugaram informações de livros científicos e de cientistas importantes. Ian McEwan, em seu livro “Solar”, dá um exemplo significativo do conflito entre vaidade e envergadura científica quando narra a história de um físico em fim de carreira, premiado, que produziu, com seu poderoso intelecto, um modelo físico-matemático fundamental. A expertise do autor atesta o mundo acadêmico com singular capacidade e acerta em mostrar nuances elaboradas dos perfis dos docentes e dos pesquisadores da ciência. Ou ainda, o livro “Stoner”, de John Wlliams, que mostra a rotina de um professor universitário, suas desventuras, suas obrigações, os percalços de sua profissão, sua ruína e sua glória, mesmo que essa seja fugaz e curta. Nesta personagem, o professor pode se enxergar.
Além disso, a Literatura, essencialmente, é uma arte do estudo do comportamento e das situações. A excelência literária das grandes histórias prosadas está em suas personagens famosas, emblemáticas e que nunca são esquecidas. Não são poucos os escritores personagens, uma moda entre autores, mas também, pode-se afirmar, que o professor surge, de maneira não incomum, em grandes romances clássicos e modernos. Nesse texto, gostaríamos de mostrar que alguns livros, dentre centenas, são sugestões de leitura essencial para professores.
Sobre este livro, o escritor Ian McEwan disse: “Uma descoberta maravilhosa para todos os amantes da Literatura”. William Stoner é um professor universitário, da área das Letras, que progressivamente se isola de sua família. Lida com os conflitos do trabalho, onde tem relações complicadas com os colegas e os chefes. Sofre desventuras no amor e tem uma carreira frustrada. À medida que sua vida passa seus desejos e ambições vão sendo depositados em uma gaveta trancada, de seu gabinete, para não mais serem retiradas. A prosa linear e segura de John Williams transporta o leitor para o ambiente de Stoner, para sofrer os sintomas de sua crise de maneira verossímil da mesma forma impassível e silenciosa de seu herói trágico e moderno.
Um livro sobre a busca pela inspiração e a fuga da mediocridade. Serve para todos! Simultaneamente, a personagem principal deste romance, inspirado e importante, também deseja o verdadeiro amor. O autor apresenta um entusiasmado pretendente a poeta que, por trabalhar em um emprego entediante, acaba sentindo o distanciamento de seu sonho quando as mulheres que conhece não lhe oferecem a inspiração que necessita. O livro, autobiográfico, é um retrato cru e eficaz dos ideais juvenis. Ao mesmo tempo explora o fato de que tanto no amor quanto no trabalho é preciso ter o sentimento de absoluta de paixão. Não é preciso dizer o motivo desse livro ser leitura obrigatória para professores.
Aqui há um exemplo de como os professores não devem ser. Essa tragicomédia, do escritor americano Philip Roth, trata da vida do professor David Kepesh, oscilando entre uma aventura/desventura e outra, é um romance de formação. Kepesh é um intelectual brilhante, ganhador da bolsa Fullbright, e, também, um conquistador inveterado e sem limites. O livro, como é costume do autor, trata da sexualidade masculina sem ressalvas, os instintos animalescos e a repulsa frente ao grotesco. Não há para Kepesh comportamento equivocado, mulher que não deseje e não tente possuir. Em síntese, o professor do desejo, neste contexto, é a efígie do professor almejado, extraordinário e talentoso, mas que não precisa ser imitado.
Sem a gritante afetação política que permeia os tempos de hoje, Kucinski mostra um momento terrível da história brasileira com equilíbrio e detalhes. Neste romance, baseado em uma história real, que diz respeito à família do escritor, a personagem principal investiga o desaparecimento de sua filha, professora do Departamento de Química da Universidade de São Paulo, durante o período da ditadura civil-militar brasiliera. O livro de Kucinski é um marco da Literatura nacional e retrata uma época obscura, um poderoso drama de geração que fornece material instrutivo para aqueles que sabem como foi e conheceram esse período e para aqueles que desconhecem ou fingem desconhecer. Leitura obrigatória para professores.
A coisa mais impressionante de “Solar” é o modelo científico, profundamente bem apresentado, que faz com que a personagem principal do romance, um físico excêntrico, vaidoso, canastrão e cheio de idiossincrasias, seja interessante e nada superficial. E tão interessante quanto, é a rotina de competição e pessoalíssimos que ocorre em muitos núcleos acadêmicos, uma realidade que nem sempre ajuda. Escrito com um grande apuro literário e com riquezas de detalhes, “Solar” acompanha de perto a tragicômica carreira do físico que, cheio de sarcasmo e cinismo torna-se uma grande personagem e, simultaneamente, prende atenção e incomoda o leitor. É possível, sendo professor e pesquisador, encontrar-se nesse romance. O livro explora ainda o tema atual do aquecimento global e suas implicações na política e na economia, que rende situações patéticas e divertidíssimas. Um alívio cômico para a lista de leituras ficcionais obrigatórias para professores. Pois, afinal, assuntos pesados também podem ser tratados de forma hilária.
O estrangeiro faz parte da lista pela importância do autor. Acadêmico por excelência, Camus era um filosofo importante de seu tempo, pesquisador e professor. A escolha de apresentar sua ideia existencialista da vida, do humano e das coisas, por meio da Literatura, criando um personagem inesquecível e trágico, como é o caso de Meursault, é magnífica. Assim como Nietzsche e Sartre, sua Literatura é tão impactante e importante que o transformou em um ícone. Sua obra rendeu-lhe o prêmio Nobel de literatura de 1957. Retirado do mundo precocemente por causa de um acidente de carro, Camus poderia, ainda, ter dado uma contribuição maior para a Literatura e a Filosofia. Seria imenso! Em “O Estrangeiro”, Meursault é um indivíduo sem talentos, pacato, que passa seus dias entre banhos de praia com Maria e fumando em seu apartamento. É o início do livro que define o poder dessa obra imortal. Nas primeiras linhas, Camus narra usando a voz de Meursault: “Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei”. Assim, dessa maneira direta, fria e impactante, se define uma personagem! Ao longo do livro nos deparamos com um homem passivo frente o absurdo da vida, que entende a importância do agora, do sentido do corpo e do poder da sensação até se deparar com sua desventura e chegar a intensa conclusão que, frente a morte, uma situação comum a todos, é essencial aproveitar o momento. Antecipando o evento de sua própria morte, Meursault é um Sísifo consciente que desafia seus algozes e diz, com a fúria de seu entendimento do absurdo, umas das frases mais intensas e belas da Literatura universal, “Para que tudo se consumasse, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muitos espectadores no dia da minha execução e que me recebessem com gritos de ódio”.
Pequena morte, é o pós-orgasmo! Um título lírico, poético e potente para um livro. Especialmente para os goianos, e mais ainda para aqueles que vivenciaram a tragédia relacionada ao césio 137, “As Pequenas Mortes”, um tesouro nada pequeno da Literatura contemporânea, estuda uma personagem curiosa: o músico obsessivo, Felipe Werle, um ser impregnado de manias e idiossincrasias, angústias e desejos. A saga do músico, entre desejos permitidos e proibidos, e suas intensas fixações por sexo, pelo câncer e sua intima ligação com o césio “naquele ano em que Goiânia esteve entranhada de um azul que não se vê”, é oferecida aos leitores, inclusive na mancha gráfica das páginas, que tem o azul mórbido e tenebroso do elemento radioativo. O estudo psicológico da personagem, que narra sua vida em um fluxo de pensamentos, tortuoso, caótico e claustrofóbico, é fruto da inteligência do autor. Somos levados pelo caleidoscópico mundo, de pensamentos delirantes e fobias, da personagem e encaminhados para a beira de um abismo de identificação, que faz refletir sobre sexo, morte e pequenas mortes.
Aqui basta que falemos de Humanitas. Segundo Quincas Borba: “Não há morte. O encontro de duas expansões, ou a expansão de duas formas, pode determinar a supressão de uma delas; mas, rigorosamente, não há morte, há vida, porque a supressão de uma é princípio universal e comum. Daí o caráter conservador e benéfico da guerra. Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. Daí a alegria da vitória, os hinos, aclamações, recompensas públicas e todos os demais feitos das ações bélicas. Se a guerra não fosse isso, tais demonstrações não chegariam a dar-se, pelo motivo real de que o homem só comemora e ama o que lhe é aprazível ou vantajoso, e pelo motivo racional de que nenhuma pessoa canoniza uma ação que virtualmente a destrói. Ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.” A filosofia fictícia criada por Machado de Assis é tão poderosa, precede Borges, mestre das invenções literárias, que é um manual completo do comportamento. Contém em sua estrutura a fórmula acadêmica de uma tese influente. É bom que os cientistas bebam nessa fonte inesgotável de criatividade e usurpem dela ideias. Afinal de contas, “Humanitas precisa comer”.
“Prefiro não fazê-lo.” Bartleby, personagem de Herman Melville, responderia isso, caso fosse instruindo a ler esse texto. Tomado por uma inércia infinita, uma letargia assustadora e uma incapacidade de agir incompreensível, essa personagem possui um enorme carisma, mas é incapaz de terminar qualquer tarefa que lhe é imposta. Em seu livro, Vila-Matas explora o mito de Bartleby e eleva sua ação à enésima potência. Ele simboliza todo escritor que possui um diário cheio de ideias e histórias e nunca as publica. Essa ideia pode ser extrapolada para professores entediados e estressados. Reconhecer-se em Bartleby, não é complicado. Os autores estudados pelo narrador do romance, um caçador, são escritores famosos e isolados como Robert Walser, Musil, Juan Rulfo, Rimbaud e outros, afetados pelo “labirinto do não”, da não- escrita. Uma enciclopédia de escritores, o livro monta uma teia complexa de comportamentos sinistros que, eventualmente, assombram, também, professores.
“O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, veem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente.” Os professores de Arquitetura adoram indicar para os alunos o conto “A biblioteca de Babel”, de onde estre trecho foi retirado. Borges é um dos maiores escritores do mundo. Sua capacidade de abstração, com um sentimento matemático apurado, rendeu contos complicadíssimos e intrincados. Seu talento para a exploração e descrição de espaços e mitos é inimitável. Em “O jardim de veredas que se bifurcam”, o leitor se depara com um texto elegante, maduro, paradoxal, lapidado e, óbvio, fantástico. Borges é capaz de tecer conjecturas e causar perplexidade sobre o universo, explorando temas ancestrais como o tempo, a eternidade, o infinito. Merece ser lido e relido sempre que possível.