Sem dragões, Emilia Clarke fulmina críticos

Sem dragões, Emilia Clarke fulmina críticos

Atual coqueluche nos serviços de streaming, comédia romântica, com trilha sonora de George Michael e protagonizada por Emilia Clarke, é tão irregular quanto irresistível

Apesar da atmosfera natalina concebida livremente com base na canção homônima de George Michael, o filme “Last Christmas” (Uma Segunda Chance para Amar) foi lançado nos EUA pelo Estúdio Universal em novembro de 2019, antes mesmo de no Reino Unido, palco da narrativa idealizada e protagonizada predominantemente por ingleses: Emilia Clarke e Henry Golding nos papéis centrais, Emma Thompson e Bryony Kimmings no roteiro, além da citada referência à música — no caso aqui, diversas, em evidente homenagem — do cantor londrino que morreu no Natal de 2016.

A antecipação da estreia por si já foi alvo da crítica especializada, cuja maioria das notas resulta negativa tanto no aspecto das falhas apontadas na produção quanto em relação à química entre a dupla de protagonistas. O público, todavia, tomou a contramão e, parecendo ignorar todos esses pontos de vista enviesados, acorreu em bandos às salas de cinema, seduzidos provavelmente pela presença de Clarke, intérprete por oito temporadas da rainha-mãe dos dragões, a princesa Daenerys, da mundialmente aclamada série da HBO “Game of Thrones”.

O diretor norte-americano Paul Feig, que levou às telas em 2011, também pela Universal, a comédia “Missão Madrinha de Casamento”, assumiu a batuta, com o suporte da estrela britânica Emma Thompson — premiada pelo roteiro de “Razão e Sensibilidade”, de 1995. E ainda que a crítica julgasse a parceria um tanto desastrosa, o filme conseguiu a proeza de desbancar a liderança de nada menos que “Coringa” nos EUA, cujas bilheterias são termômetro para avaliação inicial de desempenho de qualquer produção cinematográfica, contabilizando US$ 22 milhões iniciais e, posteriormente, US$ 121 milhões em escala mundial — dados oficiais do site Rotten Tomatoes, que absorve, num mesmo canal, análises, estatísticas e números referenciais para a compreensão do complexo universo do cinema, notadamente o hollywoodiano.

O efeito dracarys

Emilia Clarke bem parece perseguir um lugarzinho nesse universo das telonas. Ao contrário, porém, do sucesso avassalador obtido com sua personagem na série televisiva, elogiada tanto em atuações do elenco quanto na dispendiosa produção repleta de efeitos espetaculares, a incursão de Clarke no cinema tem deixado a desejar. Sua encarnação da icônica Sarah Connor em “Exterminador do Futuro: Gênesis”, em 2015, e depois da namorada de Han Solo, Qi’ra, na franquia homônima de “Star Wars”, em 2018, já devem ter caído no esquecimento de seus milhões de fãs ao redor do planeta, dado o fiasco de ambos os blockbusters em relação às expectativas na bilheteria.

Entrementes, olha a providência introduzindo um feliz paradoxo para as intenções de Clarke. Sua primeira comédia romântica — ou drama romântico como alguns assinalam — “Como Eu Era Antes de Você”, baseada no best seller da escritora britânica Jojo Moyes, que também assina o roteiro, é lançada no ano seguinte após “Exterminador do Futuro: Gênesis” e torna-se um grande sucesso de bilheteria, não obstante o nariz retorcido dos críticos e do baixo orçamento destinado à produção também formada por equipe e elenco eminentemente ingleses, incluindo a diretora iniciante Thea Sharrock, não por acaso pinçada das montagens dos teatros londrinos.

Ou seja, quando todos imaginavam que um candidato a blockbuster de altíssimo custo faria a carreira cinematográfica de Clarke ir às alturas, foi na verdade sua participação numa comédia caseira que mais contribuiu para esse propósito. Tanto é assim que Qi’ra, seu papel subsequente, em Han Solo, aposta da Disney, agora detentora da bilionária franquia “Star Wars”, em 2018, também mergulhou de cabeça na obscuridade.

O que parece irrefutável, pois, é que “Uma Segunda Chance para Amar” confirmou o talento da intérprete da temida rainha dos dragões para o gênero da comédia (romântica, ou dramática, enfim), ao reviver a garota insegura, um tanto desengonçada, mas sensível e de coração aberto a novas amizades e, claro, amores, que prazerosamente conhecemos em “Como Eu Era Antes de Você”.

Qual a razão do sucesso afinal?

Talvez seja porque nesses dois filmes menos ambiciosos com relação ao desempenho nas bilheterias, Clarke se tornou figura central, diferentemente das superproduções das franquias em que seus personagens são apenas coadjuvantes.

Talvez pela empatia criada com o elenco constituído por seus compatriotas, como Henry Golding, seu par romântico em “Uma Segunda Chance para Amar”, que, depois de conquistar a vendedora de souvenirs natalinos pedindo que ela simplesmente “olhe pra cima”, comove o público, extasiado ao descobrir o verdadeiro sentido desse relacionamento.

Talvez, enfim, pelo tom sublime e nostálgico que irradia da trilha sonora de um artista ícone contemporâneo da música inglesa. A canção “Heal the Pain”, que abre o filme e é executada ao longo de toda a película, foi composta por George Michael em 1991, já na sua fase solo, retratando um momento delicado de sua vida. Ninguém diria que se trata da obra-prima de Michael, mas a maneira sutil como é introjetada em nossas mentes, assegura naturalmente o interesse da plateia pela enternecedora história.

Balzaquiana, Emilia Clarke completará 34 anos em outubro de 2020 na condição de estrela do mainstream, duas vezes indicada ao Emmy, vencedora de diversos prêmios de melhor atriz e, significativamente, do Britannia Award como melhor artista britânica do ano em 2018. Sua trajetória rumo ao Oscar está apenas no limiar, mas lembrando, por exemplo, que Meryl Streep — com nada menos que 21 indicações da Academy Awards — estreou profissionalmente no cinema em 1977 (no filme “Julia”), aos 43 anos, fica desnecessário dizer que Clarke leva considerável vantagem. Que a sorte e seu talento a ajudem.