Imagine a cena. Som histérico de despertador macabro. Você, na cama, ainda de olhos fechados, tenta lembrar aonde guardou o martelo, para esmigalhar esse desmancha prazeres. Afinal levanta, porque não tem mais jeito. Por um instante, deita de novo e pensa em se entupir de barbitúricos pra dormir sem preocupações… Simplesmente porque é Segunda-Feira.
Ó dia, ó céus, ó azar. Dia dos zumbis — dos acorrentados às tarefas burocráticas, dos mortos-vivos. Você se arrasta feito lesma para preparar o café dos escravos. Àqueles que devem chegar ao trabalho até às 9h em ponto, para não sofrerem represálias da chefia. Hoje vai ser pão na chapa e café solúvel, pois o tempo corre.
O porteiro empurra o jornal debaixo da sua porta, com alguns folhetos dentro. Não dá pra ler agora, então você levará as notícias pro emprego.
O trânsito infernal se arrasta no asfalto feito tartaruga com lexotan. As pessoas com cara de mula ou vacas sem neurônios remoem lentas vinganças articuladas para o decorrer da semana. Na agenda estão marcadas muitas puxadas de tapete na sua empresa até que chegue a sexta-feira.
Segunda-feira tem cara de mau-hálito, meleca mal tirada, olho remelento, raciocínio travado, beijo sem graça. Ninguém faz sexo, é o que se divulga por aí. Ou faz sem paixão nem devoção.
Ih, tem que enfrentar as compras do mês no supermercado hoje, que saco. Buscar filho rebelde na escola. Cobrar dever de casa antes dos games. Suportar choradeiras, ameaças, pontapés na porta do filho selvagem, tentando descontrolar você. Mas você resiste, com certa apatia, mas resiste. Já virou hábito. Porque tudo de chato, insuportável e desolador acontece às segundas-feiras.
Você sai de casa e não dá bom dia ao porteiro, Nem agradece ao garagista por remanejar seu carro. Vai almoçar, deve ser rápido. Uma pizza de calabresa com cara de anteontem e gosto de segunda feira. Você engole quase sem mastigar essa sola de sapato com orégano.
Esse é um dia pra lá de comprido, transcorre como uma centopeia manca. As horas passam em câmara lenta, entre gigantescos bocejos. A gente sabe que as segundas-feiras são assim — mas sempre se esquece dessa realidade fatídica quando mergulha nos doces prazeres dos finais de semana.
Fun, Fun, Fun. I wanna rock n”roll all night! Oh yeah, a sexta-feira ou sexta-feira chegou! Então aproveite. Entre direto no clima. Sinta o cheiro das baladas, vodca geladíssima, perfumes orgânicos saindo dos corpos muito suados e excitados. Sexo à vista, noite afora. Cerveja, cerveja, cerveja.
Nelson Rodrigues sempre advertia: “Sexta-feira é o dia em que a virtude prevarica”. Seu cunhado dá em cima de você, você pisca os olhinhos inundados de pecado até que se rende. Porque é sexta-feira. Este é um dia livre, salpicado de estrelas, rodeado por praias lotadas, caipirinhas de lima da pérsia ao cair da tarde. Atenção. Um novo namorado ou namorada pode despontar sem avisos.
A gente sai do trabalho e ainda tem muita luz. Vale pegar uma onda, surfar, beber mate gelado na beira do mar, fazendo poesias pro sol é a grande pedida. Sua pele está dourada, cabelos de mel, escorrendo promessas pelas alças do biquíni. Sorrisos à toa, sem pressa de acabar. Um som de jazz inunda as areias, invade seus ouvidos e malícias. Pura delícia. O corpo remexe ao som meio New Orleans. São seis horas da tarde de uma sexta-feira e tudo ainda por rolar.
Mais um mergulho. O mar é todo seu, ondulando num ritmo salgado. Caso de tesão explícito. O coração está assim hoje, soltinho da silva. Vestido de todas as cores, pulsando uma multidão de desejos. Vem cá, vem. Tem abraços de sobra em oferta. Beijos molhados sem pressa de acabarem, línguas trançadas prometem invadir o sábado.
Sexta-feira é dia abençoado, cheio de graça. E eu também descobri, falando com você aqui, entre frases e parágrafos sugestivos, que o amor está dando bobeira, generoso como ele só. Está se entregando às tristezas jogadas no chão, à timidez explícita do adolescente que caminha de cabeça baixa, ao poeta solitário sentado num banco na esquina adiante.
Tem amor de sobra nas sextas-feiras, eu já percebi. Basta pescar com uma rede bem forte, antes de o dia amanhecer. Amor é peixe graúdo, prateado de lua, quer cair direto na sua mesa e nos seus prazeres.
Tudo se torna mais bonito e iluminado. Então a gente não pode mais perder tempo. Quem sabe eu e você conseguimos estender estas sensações, anseios e sentimentos por todos os dias da semana?
Tudo é possível, divino e maravilhoso. Mas, pra dar liberdade plena aos afetos que deslizam corpo acima e gemidos abaixo uma coisa deve ser feita. E que seja feita antes de o fim de semana acabar.
É preciso amar as pessoas como se elas fossem sexta-feira.