Vai, levanta! Tem uma senhora ali na rua andando sozinha. Viu? Foi, voltou, veio de novo, parou, olhou em volta. Ela está perdida. Está na cara que se perdeu. Vai lá e pergunta se precisa de ajuda.
Quem sabe ela diga que não? Quem sabe responda que sim! Vai saber se está só fazendo circular o sangue das pernas e a saudade do peito? Pode ser que ela sofra de uma doença que leva embora a memória e agora esteja ali à espera, à caça de suas lembranças.
Vai lá e pergunta. Quem sabe não é sua parente? Uma tia-avó, prima, cunhada, comadre, afilhada perdida nos anos, os traços mudados pelo tempo. Irreconhecível. Quem sabe? Quem sabe é só alguém que espera?
Olha, ela pode ter se perdido do grupo em excursão, passeio, visita ao museu. Pode ter saído para comprar pão e esquecido o caminho de volta, como a gente quando deixa um amor, perde o rumo e nunca mais o reencontra.
Aquela senhora ali, vê? Ela precisa da sua ajuda. Vai antes que ela tropece nessas calçadas tortas. Mas chega devagar para não assustá-la! Pode ser que ela busque você nos olhos e lhe entregue um papel amassado ou o coração nas palmas das mãos. No papel, dissolvendo de suor, estarão os números do telefone da filha, você liga e pronto, a moça vai buscar a mãe e tudo se resolve. No coração, latejando de saudade, estarão as vozes e os rostos e os cheiros e os gostos do que se foi. Você assiste com ela às suas lembranças e pronto. Tudo se resolve.
Também pode ser outra coisa. Ela pode ser só uma oficial de justiça em plena atividade à procura de uma casa cujo número está errado. Precisa entregar uma notificação judicial urgente mas não acha o destinatário, só falta essa entrega para concluir o dia e voltar à companhia dos filhos e netos e do marido aposentado. Vai saber você conheça a pessoa procurada e possa ajudá-la? Imagina se a notificação é para aquele seu vizinho que vive apertado nas contas, um aviso de que o tio milionário deixou-lhe uma fortuna do tamanho de um país pequeno? Imagina!
Então você vai lá agora e oferece ajuda a essa senhora. Vai antes que ela desapareça. Antes que caia e se machuque ou atravesse a rua sem olhar para os lados. Vai lá. Pode ser que a vida lhe tenha feito pessoa só e agora tudo o que ela espera é que alguém lhe estenda a mão e lhe diga “bom dia”, “boa tarde”, “boa noite”. Quem sabe ela só precise de alguém que confirme a sua existência. Alguém que lhe diga “eu vi a senhora aí, sozinha”.
Vai lá porque também pode ser nada disso. Pode ser só a vida lhe dando a chance de fazer uma coisa boa. Mínima, essencial. A primeira das tantas que virão. Um pequeno milagre no dia de hoje. Um jeito novo de aprontar a vida para o amanhã que há de ser grande. Grandiosamente melhor que hoje. Vai lá. Vai agora que a vida não espera.