Desde quando o choro é sempre de verdade. Pode ser de mentirinha, cheio de intenções pra conseguir o que se quer mais lá na frente.
Desde quando gritar “Eu te amo!”, no meio da calçada diante do Ministério da Fazenda, com os miolos torrando debaixo do sol do meio dia, é um “eu te amo” pra valer. Ou então atulhar um post no facebook com coraçõezinhos, beijinhos, dúzias de rosas vermelhas. Declarações em praça pública. Puxa. Parece que ninguém escuta, se você não gritar, exagerar, teatralizar. O seu amado, então, comenta-se ter virado surdo de vez.
Desde quando oferecer apoio virtual pra alguém que pensa em suicídio funciona? Você está longe. A pessoa está só e desesperada. Cadê os seus braços, afinal? E a atitude salvadora, evaporou?
Desde quando ativismo de sofá, filho do ócio com a preguiça, consegue provocar mudanças significativas e destronar as roubalheiras políticas em curso? Photoshop e outros truques também não funcionam, se você quiser dar um tapa na cara da realidade e se assumir mais linda e incrível do que jamais foi.
Um selfie daquele almoço delicioso, srlup, no restaurante japonês da moda, é tão gostoso quanto o seu prazer de desfrutá-lo na ocasião? Desde quando?
Algumas situações só são curtíveis se você estiver sempre lá no palco, sendo aplaudido freneticamente por um monte de emoticons engraçadinhos, atirados a esmo pelos olheiros e estalqueadores das redes sociais. Se você não fizer xixi de porta aberta, ninguém acredita. Vão desconfiar. Se não postar mil fotos da sua exuberante viagem, ninguém vai sentir inveja. E aí você vai ficar murcho, feito folha seca de marcar livro, como se não tivesse viajado. Triste.
Desde quando certos atos, um soco, um pontapé substituem uma conversa ou reflexão. Àquela serenata tocada aos 10 mil decibéis em frente à porta da amada, deixará lembranças inesquecíveis. Talvez, pode crer, arrebente vários himens auriculares, isso sim.
Estar no palco é tudo. Ser o show-man ou a show woman do pedaço. É claro que sempre resta um espaço a mais na areia abarrotada de barracas, na praia mais cult do Rio de Janeiro, pra você brilhar ao sol.
Desde quando presentes caríssimos demonstram o valor do seu amor, com juros e correção monetária embutidos. Desde quando ir à missa aos domingos define a sua devoção à caridade e aos bons sentimentos? Ser casado pai de dois filhos elimina sua vontade de dar o rabo de vez em quando pra aquele travesti estonteante?
Desde quando ser padre preserva alguém da pedofilia? Ou fumar maconha te transforma necessariamente em um traficante? Explica. Desde quando ser puta torna alguém desprezível, mero capacho de carolas dissimuladas e maledicentes? Sabe explicar? Ainda: escrever poesias garante ao poeta uma vida poética?
Desde quando beleza põe mesa, sobremesa, café com casquinha de laranja açucarada. Desde quando um jantar caro, um passeio num carro importado tipo porsche, um anel de brilhantes não desencadeiam paixões fulminantes?
Sabe dizer? Comprar um pacote pra Europa te torna uma pessoa mais culta. É mesmo? Aprender mandarim te faz alguém mais exótico? Passar um mês na China, provar desde gafanhotos grelhados a serpentes guisadas te torna uma criatura mais interessante nas rodas sociais frequentadas.
Desde quando um respeitoso juiz de carreira não poderá ser um serial killer nas horas vagas, com uma irresistível compulsão de fazer picadinho das vítimas.
Desde quando aquela garota que nunca te deu mole, não morre de tesão por você. Aquele menino franzino, dentuço, e subnutrido não será um famoso jogador de futebol, disputado por grandes clubes europeus, muito em breve. A filha da vizinha tão quietinha irá virar uma cantora de ópera de renome? Quem poderá negar ou afirmar o contrário.
Desde quando um perfume francês no pescoço é sinal de estilo e charme. Imagine um aroma horroroso, doce de enjoar qualquer um. Desde quando Interpretar um imponente texto teatral assegura uma carreira brilhante nas artes dramáticas.
O que são argumentos, então? Exageros, onomatopeias, ruídos de todo tipo. Onde eles moram, por favor? Respostas se esperam, avidamente. Os argumentos podem habitar o silêncio, um lento piscar de olhos, a concentração de um monge, um sorriso encantador perdido no rosto. Uma respiração mais aguda. Um amanhecer esplendoroso. Será?
Argumentos são gestos, ações. Movimentos discretos. Jogar sementes ao solo e devolver à natureza uma frondosa árvore anos depois. Ficar do lado do velhinho doente, segurar sua mão e não desgrudar dele até que a última vela se apague.
Um bom argumento sussurra, é transparente, tem carisma, convence qualquer pessoa sem emitir qualquer som. Desde quando, você desafia?
Desde quando o seu coração abrigar uma alma linda e extraordinariamente sensível.
*Título extraído de frase de Machado de Assis.