O embate em torno do retorno ou não das aulas presenciais divide a opinião dos brasileiros e dificilmente haverá um consenso em torno de qualquer decisão tomada. A despeito dos inúmeros argumentos a favor e contra, um aspecto que particularmente chama a atenção é o processo de extenuação que envolve a relação de clausura provocada pela pandemia. A rotina alterada com a nova realidade trouxe à tona problemas que antes eram dirimidos justamente pela intercessão da escola na relação familiar. É que a lacuna deixada pelas instituições de ensino forçou uma hiperconexão entre pais e filhos, e a solidariedade das responsabilidades parece ter se tornado um indesejado desdobramento dessa celeuma. Os aspectos disso são extremamente variados.
Antes da explosão de contaminações em decorrência do covid-19, a relação entre pais e filhos se restringia basicamente aos pontos de intersecção de suas jornadas. O trabalho já era suficiente para ocupar as preocupações dos chefes de família, e a escola cumpria o importante papel de educar, vigiar, proteger, alimentar e gastar a enorme energia que têm os jovens em fase de crescimento. Veio o coronavírus e esse cenário passou por uma contundente alteração. Muitas dificuldades, é óbvio, surgiram em decorrência da adaptação a esse novo cotidiano e, a partir daí, a equação da convivência forçada começou a pesar.
A verdade é que a normalidade anterior tirou dos pais a capacidade de prestar assistência em tempo integral aos filhos. Com o choque de realidade imposto pela pandemia, eles acabaram perdidos nas novas tarefas, pois os afazeres domésticos atuais exigem cuidados com os filhos por um tempo muito além do limite a que estavam acostumados. As escolas, nesse sentido, funcionavam como uma forma de terceirizar a criação e possibilitavam um alívio na dinâmica da modernidade; o trabalho exige muito dos pais e as instituições de ensino são peças fundamentais na engrenagem de suporte a uma convivência familiar harmônica. Assumir as responsabilidades pela criação dos filhos no contato diário e prolongado trouxe um fator novo, consubstanciado no desespero dos pais com as dificuldades encontradas na educação direta.
Não é apenas o lobby das escolas privadas que faz com que a situação seja de intensa pressão. Também os pais, perdidos ao tentar conciliar seus afazeres com o acompanhamento de todos os problemas de seus filhos, encontram-se saturados, expostos à exaustão coletiva da vida em confinamento. A “síndrome de pai ausente” acabou sendo substituída justamente pela hiperexposição dos pais no cotidiano dos filhos, obrigados que estão pelas circunstâncias a participar ativamente da educação deles. Não houve opção. Os pais precisaram encarar, sem aviso prévio, os desgostos de cumprir sua primordial função de cuidar da prole. Tudo isso somado às frustrações dos jovens, pelo afastamento dos amigos, das festas, dos esportes; e dos pais, tios e avós, pela multiplicação de suas tarefas diárias.
Independentemente disso, a ideia da volta às aulas presenciais segue sendo um tiro no escuro. Devido à ausência de vacinas os professores, funcionários e alunos seriam inseridos em uma experiência que colocaria em risco suas vidas e as de quem convive com eles. A realidade das escolas públicas já é precária por si só, e seria utópico imaginar que haveria atenção aos cuidados necessários para evitar uma tragédia maior. Os riscos são muitos e devem ser avaliados, principalmente no que diz respeito aos evidentes interesses e pressões — econômicos por parte das escolas e emocionais por parte dos pais.
É preciso serenidade e sabedoria para saber entender que a cegueira que envolve ambos pode se tornar um desafio ainda maior caso decisões precipitadas sejam tomadas. A pressa, sem dúvida, é a maior inimiga da solução desse grande transtorno.