A morte de Michael Corleone: Coppola cria um novo final

A morte de Michael Corleone: Coppola cria um novo final

“O Poderoso Chefão” é um mix de Hobbes e Maquiavel aplicado ao cinema. Noutras palavras, filosofia da vida real traduzida em minúcias — daí o filme de Francis Ford Coppola ter se tornado uma espécie de vade mecum dos experts em aforismos. A trilogia é desigual. As duas primeiras películas são obras-primas inegáveis. A terceira é apreciada por alguns e depreciada por muitos. Porque, exatamente, não se sabe. Talvez tenha a ver com o fato de que as primeiras fitas sejam glamourizadas, e sobretudo digam respeito a um tempo em que, mais lendária, próxima do mito, a Máfia ítalo-americana não assusta tanto. A parte 3, mostrando a Máfia em conexão com a Igreja Católica e setores políticos e financeiros que conhecemos, uma integração dos mundos da legalidade e da ilegalidade, separados por fios tênues, talvez desagrade mais porque é prenhe de realismo (é quase uma reportagem). Perde, ante os outros dois, em ficção, em narrativa e, até, em beleza plástica.

O fato é que “O Poderoso Chefão 3” não agradou nem mesmo a Coppola. Por isso, o diretor, de 81 anos, decidiu mexer na história e uma nova versão será lançada nos cinemas em dezembro deste ano, segundo o estúdio Paramount. Depois, o filme ficará disponível nas plataformas. Reportagem da agência AFP frisa que o “novo” filme vai refletir “a visão original do final” proposta por Coppola e pelo escritor Mario Puzo, o roteirista. “Para esta versão do final, criei um novo começo e fim, e reorganizei algumas cenas, tomadas e entradas de música”, relata o cineasta.

“Com essas mudanças, e com o visual e o som restaurados, acho que é uma conclusão mais apropriada para ‘O Poderoso Chefão’ e ‘O Poderoso Chefão 2’”, assinala Coppola. “O remake envolveu uma ‘restauração cuidadosa quadro a quadro’ do filme original e a inclusão de material inédito, que durou seis meses. O trabalho, que incluiu consertar arranhões e manchas nos negativos originais, teve que ser interrompido pela pandemia do coronavírus e concluído remotamente”, anota a agência AFP.

A versão remixada ganhou outro título: “Mario Puzo’s The Godfather, Coda: The Death of Michael Corleone” (ainda não há título em português, mas tende a ser simplificado por certo, porque em inglês parece título de tese de doutorado; bastaria pôr “O Poderoso Chefão — A Morte de Michael Corleone”.

Adicionar “a versão de Mario Puzo” cria um climão, em especial para os aficionados, mas será que torna o filme mais atrativo para a maioria? Até porque dizem que, na filmagem, Coppola muda quase tudo, quer dizer, o roteirista acaba sendo menos útil do que parece). “É um reconhecimento ao título favorito meu e do Mario, e às nossas intenções originais para o que se tornou ‘O Poderoso Chefão 3’”, afirma Coppola.

“Coppola supervisionou todos os aspectos da restauração enquanto trabalhava na nova edição, garantindo que o filme não apenas parecesse e soasse puro, mas também atendesse aos seus padrões pessoais e visão de direção”, afirma Andrea Kalas, vice-presidente de arquivos da Paramount.

“O Poderoso Chefão III” é um grande filme, ainda que menos belo do que os primeiros — que são, digamos, mais literários e poéticos (uma poética da maldade cercada pelo belo). Neste filme, assiste-se Michael Corleone tentando legalizar seus negócios, com o objetivo de facilitar a vida da família, sobretudo de sua filha adorada e, aparentemente, pacífica. Entretanto, quanto mais dialoga com o mundo da legalidade, inclusive o da Igreja Católica — com um bispo que lembra o americano Paul Marcinkus, que dirigia o Banco do Vaticano —, para “limpar” seus negócios, mais percebe que nada no mundo é tão limpinho quanto se pensa. O mundo das altas fortunas, inclusive de instituições seriíssimas, tem ao menos um pé na sujidade. O outro pé é institucional, limpo, por vezes.

Pode-se sugerir que as mudanças criam um novo filme? Sem vê-lo, não dá para saber. Mas é provável que, doravante, se poderá falar em “O Poderoso Chefão 3” e “O Poderoso Chefão 4”. Releia: é provável.

Euler de França Belém

É jornalista e historiador.