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O rock nacional é ruim? Claro que não. É muito bom. É bem verdade que não se compara com os norte-americanos e ingleses, criadores e propulsores do gênero, mas não podemos negar que a nossa turma é boa, provavelmente muito melhor que os argentinos, indianos e poloneses, pelo menos até onde o meu conhecimento pode chegar. O contexto em que o rock and roll explodiu na América do Norte (anos 1950) coincide com a época em que a música brasileira experimentou o surgimento da bossa-nova (segunda metade da mesma década). Aqui, tratava-se de uma época de grande desenvolvimento político e cultural, desde o presidente bossa-nova Juscelino Kubitschek até os grandes festivais do início da década de 1960. Além disso, as peculiaridades do brasileiro e o período ditatorial entre 1964 e 1985, é claro, influenciaram na forma com que o rock nacional se desenvolveu.
É difícil firmar um marco que represente o início do rock no Brasil. Conta-se que Nora Ney gravou o primeiro rock nacional, em 1955, quando registrou uma versão de Rock Around the Clock, de Bill Haley & His Comets, mas é seguro dizer que a turma da Jovem Guarda, de Roberto Carlos a Jerry Adriani (Meu Deus! Como eu sou velho!), pode ser incluída entre os pioneiros do iê iê iê nacional.
Contudo, em se falando em bandas, acredito que as mais importantes são as que seguem abaixo. É claro que muitas de suas bandas e seus artistas favoritos não estarão aí, mas, whatever…
E, antes que eu me esqueça, a ordem a seguir é cronológica, e não de qualidade ou importância, como no texto anterior, sobre bandas internacionais.
Desde as performances de Rita Lee até a famosa briga entre Arnaldo Baptista e Sérgio Dias por causa da preferência do guitarrista pela marca Fender, em detrimento da Gibson, predileta de Arnaldo (quem é do babado sabe que discussões sobre Gibson e Fender beiram ao fanatismo religioso), tudo que cerca os Mutantes é pitoresco e, ao mesmo tempo genial. É claro, sempre tem aquela história de que, ah!, ficam citando os Mutantes porque é cool, mas ninguém conhece as músicas deles. Conhece sim. Você conhece “A balada do louco”, regravada por Ney Matogrosso. Conhece “Baby”, regravada por Gal Costa e Caetano Veloso. “Panis et circenses”, registrada depois por Marisa Monte, 14 bis e outros. Fora outros sucessos que não dependem de regravações, como “Ando meio desligado” e “Top top”, para ficar em apenas dois exemplos. Não podemos negar, aliás, a grande influência dos Mutantes sobre tudo o que veio depois, desde o sarcasmo — natural para a época da repressão (eles surgiram em 1966) — até os arranjos progressivos que mostram o ecletismo e versatilidade da banda. Além disso, as letras são um capítulo à parte e revelam que, em todas as áreas, os Mutantes vieram para ficar no imaginário da cultura popular, afinal, as pessoas na sala de jantar devem se preocupar com mais do que apenas nascer e morrer.
Só a existência da polêmica sobre se o Kiss e suas máscaras teriam copiado ou não as maquiagens dos “paulistas” do Secos & Molhados (João Ricardo era nascido em Portugal e Ney Matogrosso, como o nome artístico indica, nasceu na pequena Bela Vista, município sul mato-grossense do Estado que, então, ainda não era dividido) já atesta a grandeza da banda, surgida em 1971. Mas, afinal, o que provavelmente é apenas uma grande coincidência não é capaz de ofuscar a magnitude do som que produziu clássicos como “Sangue latino” e “Rosa de Hiroshima”, canções belíssimas e cujo conteúdo foi capaz de passar uma mensagem de resistência em plena ditadura militar, sem que, com isso, soassem ativistas, tampouco bastiões de uma contrarrevolução facilmente capturável pelas garras da censura. Isso sem falar, é claro, na voz potente e melodiosa de Ney Matogrosso — um dos maiores artistas vivos do país —, aliada às suas performances que caracterizaram o estilo inusitado da banda, cuja conotação musical é difícil de rotular (acústicos? progressivos?), o que os torna ainda mais fantásticos.
De São Paulo para o Rio de Janeiro. Os destinos de Cazuza e Ney Matogrosso já haviam se cruzado, no final da década de 1970, quando o exagerado se juntou a Frejat e sua turma em 1981 para formar a banda mais genuinamente roqueira do Brasil. Com uma pegada blues-rock à la Rolling Stones, o Barão Vermelho produziu — e ainda produz — o que há de mais rock and roll (no sentido puro da palavra) no cenário nacional. Sem progressivismos, sem fofurinhas acústicas, o que saiu deles desde o início foi a boa e velha guitarra elétrica, aliada a teclado, baixo, bateria e, lógico, à inconfundível voz de Cazuza, que, além de tudo, era um notável letrista. Daí surgiram pérolas como “Maior Abandonado”, “Bete Balanço” e “Pro dia nascer feliz”. Mas não podemos descartar grandes músicas surgidas já na era Frejat, como o hard rock “Declare guerra” e a balada “O poeta está vivo”, já em homenagem à tragédia pessoal vivida por Cazuza, que, antes de morrer, havia saído da banda anos antes, justamente porque sua formação eclética deixou de se encaixar no som rock and roll raiz do Barão.
O rock de Brasília faz parte, definitivamente, do mapa da música brasileira. E grande parte dessa inclusão se deve aos Paralamas do Sucesso. A voz sôfrega de Herbert Viana, com sua guitarra precisa e bem tocada, o baixo de Bi Ribeiro e a bateria estilo Stewart Copeland de João Barone deram a receita para o sucesso imediato. É claro que fica evidente a inspiração no The Police de Sting, Andy Summers e Copeland, mas a pegada ska dos Paralamas sempre teve vida própria e ousada, como se vê desde o início com o êxito de “Vital e sua moto” e outras pedradas do primeiro álbum “Cinema Mudo”. Mas o estouro veio mesmo com “O Passo do Lui”, que emplacou como hits praticamente todas as suas músicas e culminou com o épico show no Rock in Rio original, em 1985, que divulgou o som da banda para todo o país. De lá para cá, vieram discos mais ou menos inspirados, muito ecletismo e experimentação de sons diferentes — do reggae ao samba — e os Paralamas continuam vivos e pulsantes.
Os paulistas dos Titãs começaram como uma banda inspirada na Blitz e numa pegada mais iê-iê-iê, como nos transmitem as icônicas “Sonífera ilha”, “Televisão” e “Insensível”, mas logo passaram para o som punk e nervoso de “Cabeça Dinossauro”, que apresentou as credenciais do octeto (sim, eles eram oito no início) ao mundo da música brasileira. Petardos como “Polícia”, “Bichos escrotos” e “Homem primata” não deixaram margem a qualquer dúvida: os Titãs eram rock puro e rebelde, como deve ser uma banda de jovens que querem mudar o mundo com música e irreverência. A intelectualidade e erudição de Arnaldo Antunes o fizeram sair da banda depois de “Tudo ao Mesmo Tempo Agora” (1991) — cujo título revela que a banda continuava não estando para brincadeira — para procurar ares mais ecléticos, enquanto os demais caras prosseguiram com a verve pesada, a partir do excelente “Titanomaquia” (1993). É bem verdade que do álbum “Domingo” (1995) para frente, os Titãs assumiram um ar mais pop e leve, com canções cujas letras beiram a autoajuda, mas não dá para descartar a importância e a versatilidade desses monstros do rock and roll nacional.
O rock brasiliense ataca novamente. E, com a Legião Urbana, formada da subdivisão dos espólios do extinto Aborto Elétrico, mostrou-se que tínhamos a capacidade de fazer também aqui o som agradável do pós-punk britânico, com inspiração em bandas legendárias como U2 e The Smiths. As letras de Renato Russo — para mim, junto com Cazuza, os dois maiores poetas do rock nacional — sempre revelaram o caráter introspectivo e perturbado da mente do cantor. Quando alguém confessa que “é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã, porque, se você parar pra pensar, na verdade não há”, é porque, de fato, há algum dilema muito interessante a ser compartilhado com a audiência. A potência da voz, os arranjos de guitarra e a pegada leve e equilibrada moldaram grande parte da juventude que viveu por aqui nos anos 1980 e 1990, com clássicos como “Tempo perdido”, “Índios”, “Soldados” e muitos outros. Entre tantas pérolas, é difícil esquecer que, enquanto o infinito é realmente um dos deuses mais lindos, ainda somos tão jovens…
Você pode torcer a cara, fingir demência ou dizer que detesta, mas, se você foi jovem nos anos 1980, já cantou de cor alguma música do RPM. Os caras venderam 900 mil cópias do álbum de estreia (“Revoluções por Minuto” — 1985) e, caídos no gosto popular, estouraram com o disco “Rádio Pirata ao Vivo” (1986), que já vendeu mais de 3 milhões de cópias, o que, até hoje, só perde para Xuxa e os sertanejos Leandro & Leonardo. Mas também não é de se desprezar o som da banda, só porque foi excessivamente comercial. Trejeitos à parte, a mistura de rock progressivo com pop-rock rendeu boas canções, como “Revoluções por minuto”, “Loiras geladas” e a belíssima balada “A cruz e a espada”. Pode-se dizer que a efemeridade do sucesso do RPM — dissolvido em 1987 para depois retornar inúmeras vezes depois, sem qualquer sombra do êxito original — indique alguma má qualidade do som, mas, convenhamos, esses números e a presença latente das suas canções no imaginário dos quarentões até hoje atestam a sua importância.
O Sepultura surgiu em 1984, mas só foi estourar com o álbum “Arise”, lançado em 1991, que catapultou o heavy metal dos mineiros para muito além das fronteiras nacionais, ajudados, é claro, pelas composições em língua inglesa. A inspiração no Motorhead (a legendária gravação de “Orgasmatron” não me deixa mentir) e os avanços em músicas cada vez mais pesadas e distorcidas fizeram do Sepultura um sucesso internacional, com cerca de 50 milhões de álbuns vendidos mundo afora, o que, também, não é para menos, pois os álbuns da era em que ambos os irmãos Cavalera compunham seus quadros nos legaram músicas monstruosas como “Arise”, “Refuse/Resist”, “Territory” e “Roots bloody roots”. Mas a saída de Max Cavalera não arrefeceu o ânimo dos metaleiros, que continuaram na estrada e lançando (bons) discos com o vocalista Derrick Green, o mais brasileiro dos roqueiros americanos.
Uma espécie de Ramones brasileiros, os Raimundos inventaram um estilo que jamais havia sido concebido e que, provavelmente, é único na história do rock: o forró-core. Mas isso, por si só, não foi a receita do sucesso de mais uma grande banda de Brasília: as letras escrachadas, recheadas de palavrões e expressões regionalistas, chamaram muito a atenção dos jovens na primeira metade da década de 1990. Era como se toda aquela depravação e descontrole significassem que, sim, agora podíamos falar que tínhamos liberdade de expressão em sua plenitude, porque até essas escatologias podiam ser cantadas em voz alta. A cruzada religiosa do vocalista Rodolfo Abrantes, que deixou a banda em 2001, não impediu que os Raimundos continuassem divertindo a galera com seus discos inusitados e shows energéticos, porque, afinal, o que queremos, para escapar da rotina e do stress, muitas vezes, é, literalmente, “ver o oco”.