Chegando quase à metade de 10 episódios previstos, a minissérie “Lovecraft Country” (HBO) começa a delinear mais explicitamente sua estrutura. O programa se mantém relativamente fiel ao livro de Matt Ruff, então quem leu o romance tem alguma ideia de para onde a trama se encaminha. Mas, tal como é apresentado na TV, o enredo carece de um enfoque que vá além do jogo de gato e rato envolvendo o núcleo de Atticus e os antagonistas da Ordem dos Filhos de Adão.
Para mal e para bem, o primeiro episódio de “Lovecraft Country” colocou o nível da série num patamar ainda não alcançado nos capítulos seguintes. O piloto tem força de telefilme: se o avaliamos à parte, resolve-se muito bem, como se a continuidade da história nem fosse uma questão. Porém, há uma trama a ser descortinada, e houve um perceptível engasgo no segundo episódio, quando entrou em cena a família Braithwhite. A aparente conspiração dos antepassados do personagem central, envolvendo um livro misterioso, assassinatos, traições e eugenia, pode até surgir como alegoria da segregação racial tratada pela série, mas é muito menos interessante de acompanhar do que as situações realmente tensas e perturbadoras apresentadas no piloto e que tão rapidamente conquistaram a legião de fiéis que a série vem mantendo.
O terceiro episódio aliviou no enredo das bruxarias em família, potencializando a presença de Laetitia às voltas com uma casa assombrada, mas logo as conspirações voltaram. No quarto episódio, “Lovecraft Country” já não se parece com a mesma série que estreou há um mês. Bons personagens estão lá, a segregação ainda é o mote, as referências a H.P. Lovecraft seguem aparecendo, mas a atmosfera e as soluções de roteiro parecem cada vez mais juvenis. A jornada do trio em busca das páginas perdidas de um livro maldito pareceu uma mistura de caça ao tesouro com as estripulias de “Uma Noite no Museu”.
Considerando a excelência da HBO em séries adultas, é considerável que “Lovecraft Country” tente dialogar com plateias mais jovens — e não deixa de ser uma boa jogada optar pelo horror com crítica social. A questão maior, nas vésperas da série chegar à metade, é que tipo de relação “Lovecraft Country” de fato tenta estabelecer com suas bases canônicas (os contos de Lovecraft e a literatura pulp), as contradições artísticas dos anos 1950 e o desenvolvimento dos personagens. A conferir.