Está na hora de fazermos alguma coisa. Vamos fazer gentilezas!

Está na hora de fazermos alguma coisa. Vamos fazer gentilezas!

Então já é dezembro. Vem aí o Natal de novo. É sempre assim, a vida escorrega por sob os pés da gente, daqui a pouco é dia 24, quase meia-noite, e se bobear eu não terei dito a você o que preciso lhe dizer desde sei lá quando. Então, só por garantia, vou dizer por aqui primeiro e depois a gente vê o que faz!

É que eu tenho sentido uma gratidão tão grande por nós, sabe? Agradeço mesmo a alegria de sermos, assim, pessoas contemporâneas, se virando e se debatendo nesse mundo tão entupido de grosseria e estupidez. Descobri que sou feliz falando com você. Assim, do nada e por tudo, sinto felicidade nesse caminho manso das nossas conversas, nossos encontros tão breves mas tão ricos, nossas projeções e esperanças.

É! Esse movimento de nos tornarmos interlocutores, esse trabalho lento de construirmos um castelo invisível com as coisas que nos contamos e as lembranças que dividimos e as que agora escrevemos juntos é tão bonito!

Depois de uma prosa à toa com você, dessas que a gente tem à noite, antes de dormir, me dá uma vontade louca de abrir a janela e gritar “Viva o marinheiro Popeye! Salve o Scooby Doo! Palmas para o Salsicha e o Perna Longa! Vida longa à Turma da Mônica!” e depois dormir e sonhar que finalmente aprendi a imitar o Pato Donald com perfeição de especialista.

Não é nada, não. É só alegria mesmo. Alegria boba! Esse negócio que dá na gente quando uma gentileza vem ao mundo. Porque uma conversa boa é como uma gentileza implacável que amolece o coração e cria uma vontade poderosa de retribuir. Bateu, levou.

Está na hora de fazermos alguma coisa! Não só porque é quase Natal e nessa época todo mundo se junta e leva comida e amizade aos asilos e às creches, o que é muito, muito bom. Mas porque essa alegria que não cabe na gente merece um quintal maior. Merece correr na terra e rolar no chão com os cachorros e os gatos e os outros bichos. Essa nossa alegria precisa se espalhar por aí e suavizar a vida dura aos pouquinhos. Está na hora de fazermos alguma coisa. Vamos fazer gentilezas!

Sair aqui e ali na ousadia de tratar com respeito e decência e afeto qualquer pessoa. Todas as gentes! Os conhecidos e os estranhos. Logo, logo elas vão se perguntar “e agora? O que eu faço com esse sorriso que esse moço me deu?”.

E uma voz baixinha e familiar vai responder lá de dentro:

“Passe adiante…”

Porque gentileza é que nem passarinho. Canta muito mais bonito em liberdade, fora da gaiola.

Então vamos começar já! Primeiro só você e eu, parindo delicadezas por aí. Dando à luz um bilhão de pequenos gestos gentis, reproduzindo gratidão e afeto como dois coelhos enlouquecidos na ideia fixa de povoar o mundo com os nossos! Depois, decerto, toda gente há de nos imitar em total descaramento.

Ai, se você soubesse o quanto eu vinha pensando em lhe dizer isso tudo assim, na lata! Outro dia eu percebi que você andava triste, porque tristeza é um pouco como as espinhas mesmo, né? Dá de repente, dói, incha e arde e incomoda. Depois passa, mas se a gente não cuida ela deixa marca. E ainda assim tem espinhas e tristezas que ficam marcadas mesmo quando a gente cuida. Acontece. Nessas horas, juro, se eu pudesse pegava você no colo como ainda pego meu filho e dava-lhe um abraço de três horas, três dias ou pela vida inteira. A gente precisa de vez em quando é disso mesmo, né? Carece de uma bebida quente e do calor que faz no interior do abraço. Aí você ficou alegre de novo e nós ganhamos o mapa do reino dos céus.

É o caminho! Isso agora ficou tão claro para mim! Tá na cara. Se a gente insistir, a vida nunca que vai desistir da gente. Vamos fazer gentilezas!

Eu tenho esperança, sabe? Tenho uma bruta esperança na gente. A gente! Essa espécie que caminha por aí resistente.

Viver fica tão difícil às vezes que dá até vontade de ir embora e desistir disso tudo. Dedicar o tempo que nos resta a viajar de trem, por qualquer canto onde ainda existam ferrovias e pessoas e os trens ainda levem e tragam. Mas a vida não desiste fácil, não! A vida não desiste se a gente decidir levá-la em frente com força e graça e afeto.

Há tanto o que fazer! Nossos filhos e projetos, nosso ofício e nossos sonhos. Nosso hoje e nosso amanhã, tudo vai se construir mais vigoroso se pudermos ser um pouquinho mais gentis!

Nosso canto do mundo nos espera. Lá estão nossa terra fértil e nossas mudas assanhadas gritando alegria às borboletas. Aquele pedacinho do universo em que viveremos nós e os nossos, plantando flores simples, meia dúzia de pés disso e daquilo, nossos galhos de arruda e guiné e Ervas de Santo no terreiro sagrado do trabalho honesto.

Vamos viver de fazer gentilezas! E um dia, quando o tempo e a saudade tiverem nos enrugado como o sol que marca o rosto de um trabalhador rural, você e eu teremos muito mais histórias que as antigas enciclopédias e coleções universais. Seremos como dois velhos volumes raros de alma leve e capa dura, lembrando aos mais jovens que o passado existe, sim, nós estivemos lá, que o futuro é doce e o presente é nosso!

Já é dezembro. O Natal está aí. E nós precisamos fazer alguma coisa que continue no Ano Novo e depois e depois e depois. Está na hora de fazermos alguma coisa. Vamos! Vamos fazer gentilezas!

É o que eu precisava lhe dizer de perto. Por enquanto, está dito aqui de longe. E depois a gente vê o que faz.
 

André J. Gomes

É professor e publicitário.