Chadwick Aaron Boseman. Um nome que pode ser lido com o significado léxico de representatividade. Ou de persistência. Ou de ambos. Aos 43 anos, o ator, diretor, dramaturgo e roteirista norte-americano deixou desolada uma legião de fãs e admiradores, pega de surpresa com a notícia de sua inesperada partida. Depois de quatro anos de luta silenciosa contra um câncer colorretal — que não deve ganhar espaço na narrativa de seu brilho, em respeito à sua vontade expressa de não divulgá-lo —, por fim Boseman foi vencido, mas não necessariamente derrotado.
Em sua meteórica passagem pelo planeta, o ator teve muita pressa. E isso rendeu ao mundo uma biografia paradoxal: curta, infelizmente, mas ao mesmo tempo muito poderosa, perene e transformadora. Verdadeiro guerreiro de muitas virtudes, ele escolheu uma partida sem os holofotes que o rodearam em vida.
Suas aparições na tela grande foram cirurgicamente engajadas. Alguns de seus personagens mais marcantes trouxeram de volta à vida, através da arte da interpretação, outras importantes figuras negras que também deixaram seus nomes gravados na história. James Brown, Jackie Robinson e Thurgood Marshall reencarnaram sob sua atuação e o público foi presenteado com excelentes e emocionantes desempenhos. Mas foi realmente no universo da Marvel, com um personagem fictício, que Chadwick conquistou de vez seu nome entre os grandes, ao interpretar um super-herói negro que detinha o completo protagonismo de uma narrativa colossal. Seu heroísmo, todavia, não se resume ao papel do lendário rei T’Challa de “Pantera Negra”. E nem às telonas.
Diagnosticado com câncer em 2016, ele atuou em nada menos que dez filmes — entre eles “Da 5 Bloods”, “Marshall”, “Pantera Negra” e “Ma Rainey´s Black Bottom” — até seu descanso final. Entre sessões de quimioterapia e inúmeras cirurgias, Chadwick preferiu enfrentar sua maior luta, a mais verdadeira, longe das câmeras, sem qualquer tipo de alarde. Guardou para si a sua condição e preferiu seguir o caminho contrário ao das grandes estrelas: afastou a mídia de seus problemas pessoais e administrou os trabalhos no cinema sem trazer à tona seus dramas reais. Nos últimos tempos, já com a aparência alterada por causa da doença, surgiram boatos e brincadeiras maldosas: chegaram a compará-lo a um usuário de crack, em mais uma amostra da falta de empatia coletiva, que evidencia a pequenez de um mundo que não estava preparado para um gigante como ele.
Em um período histórico como o que vivemos, tomado por manifestações e bandeiras que afirmam a importância de vidas negras, Chadwick foi um ícone que claramente saiu de cena na hora errada. A humanidade precisava de mais dele. Demais. Sua biografia, no entanto, ficará gravada nos corações e mentes que tiveram e terão o privilégio de assistir à ascensão de uma cultura antes relegada e que, por intermédio da atuação desse gênio, ganhou respeito e o devido espaço. Chadwick, assim, construiu um arcabouço primoroso de representatividade, coragem e heroísmo — na vida real e no cinema —, despertando com sua arte um marco atemporal da permanência do orgulho negro. Foi-se para virar lenda. E o seu manto de pantera, agora sem dono, protegerá a memória daquele que foi um verdadeiro protagonista na arte de ser relevante. Wakanda, Chadwick e seu legado: a eternidade os espera.