O amor é cego e não deve andar sozinho

O amor é cego e não deve andar sozinho

Ah, o amor… Ele chega sem avisar, sem cerimônia, abrindo as portas e janelas, deixando o sol entrar, o mofo sair. Vem, pode vir, liga o rádio, vem varrendo a sala, trazendo flores aqui pra dentro. Pinta as paredes do coração em tons alegres com essa felicidade juvenil, enquanto o cheiro de casa nova e pão quentinho se espalham aqui dentro. Aquele lugar frio, obscuro, abandonado, que já foi sinônimo de ranço e solidão — quem diria? — transformou-se em pousada em frente à praia! O sorriso, todo mundo diz, parece que está carimbado no rosto. Até suspeito que, mesmo em sono profundo, ele é pertinente e espaçoso. O respirar virou suspiro e a cabeça foi parar nas nuvens, em Marte, nas estrelas… Em você.

Você, você, você. Você, meu mundo. Você, meu ar. Você, minha luz. Você, minha estrada. Dessa vez o cupido acertou em cheio e talvez tenha sido bem no meio da testa, porque essa pancada desnorteou, embaralhou. Quem nunca? Por isso o velho e sábio ditado tem mesmo razão: O amor é cego. Cego e pronto. A pessoa se transporta a um mundo cor-de-rosa, uma neblina de algodão doce, música que toca e se repete incansáveis e incontáveis vezes. E, nesse cosmos paralelo, já vou logo avisando: melhor que abram seus olhos, porque o amor só sobrevive se souber caminhar.

Isso mesmo. Amor não pode estagnar, sentar na cadeira de balanço a fim de tomar o sol da manhã e não levantar mais. É preciso ter cuidado para não enferrujar, acumular sujeira, ficar parado no tempo, na chuva. Não dá para encostar ele ali, naquele muro, e voltar pra pegar depois, enquanto você dá uma volta. Não se pode esquecer do amor nem por um minuto! Porque amar é um exercício, uma eterna corrida com você mesmo, andar de bicicleta sem soltar as mãos. Do amor não se descansa, não desiste. Ter preguiça de amar alguém é tão broxante quanto o desamor…

Cheguei à conclusão que esse sentimento é mesmo digno, intrépido, altivo… Mas não é tudo. Infelizmente. Amor não é tudo. Sem esmero, dedicação e zelo ele estilhaça no piso frio no primeiro tropeço. Com sorte, no segundo ou terceiro tombo. O amor é mais de meio caminho andado numa trilha com pétalas de rosas e luz de velas. Mas, para atravessar o percurso, ele necessita de ajuda, precisa dar as mãos, com cautela, para não vacilar. Sim, o amor enxerga, mas não vê. Portanto, não sobrevive em coração onde não há respeito, confiança e admiração. Sem esses três pilares, ele se perde na trilha, desvaira, espuma, sangra, desfalece. Morre.

Respeito é um dos valores mais nobres que se pode ter por alguém. Quem honra o outro não discrimina, nem critica, muito menos julga. Respeitar é aceitar que as pessoas tenham seu tempo, seu espaço; é estimar pensamentos distintos, crenças e opiniões diferentes da sua. Ter consideração, saber esperar o momento de intervir sem invadir. Respeito é o oposto do pé na porta, é ombro amigo, o sorriso calado que tudo diz, abraço do amigo de infância, paciência sem fim. Coisa rara e preciosa.

A confiança, vou te contar, é uma planta bem bonita que brota dentro da gente. Ela traz a certeza de que fomos escolhidas dentre tantas flores, e que não há orquídea ou hortênsia, que faça o outro tirar os olhos da nossa roseira. Acreditar, botar fé, a mão no fogo e no corpo todo, com segurança, convicto no amor e no amante. É paz na certa. Saber andar de mãos dadas em qualquer parte do mundo, mesmo quando um mundo separe os dois. Confiança é a harmonia dos dedos entrelaçados, mirada cúmplice, corações que se encaixam e se completam sem sobra, sem espaço para nenhuma erva daninha entre eles.

E a admiração eu canto como “fogo que arde sem se ver”, porque os olhos se transformam em diamantes, fumegando apreço e bem-querer. É uma idolatria adocicada que escorre pela boca. Onde há fascínio existe tesão, uma adoração sadia de êxtase pelo que outro é; exerce seus domínios, suas virtudes e toda causa e efeito que nocauteia o coração apaixonado.

Por isso eu digo: o amor é um cara grande e forte, um tanto míope, que se joga lá do alto porque de altura não tem medo. Confia tanto no seu tamanho, na sua pureza e verdade, que acaba fechando os olhos para o mundo à sua volta. Por quê? Ora, porque ele é o sentimento mais poderoso do Universo, porque ele rege a vida e os corações pelos quatro cantos do mundo. E sua grandeza acaba por torná-lo cego, um gigante ingênuo que cai por terra quando se perde o respeito, quando a confiança escapa e a admiração dissolve.

Amor sozinho não sobrevive sem o ato de amar. Amar no sentido honesto e farto, de braços e porteiras abertas, sem medo de ladrão. Vamos amar o outro, cuidar do que é meu e teu, dar valor ao coração que está à nossa frente. Acreditar, sim, de alma limpa e leve, pois do mesmo jeito que você quer o bem, aquele ali também o quer. É hora de desatar os nós de dentro do peito e adorar sem susto, sem pudor. Que o amor, ainda que cego, não abandone os seus companheiros. E que sejam felizes para sempre…

Karen Curi

é jornalista.