Carta de amor ao meu filho pequeno quando a saudade é grande

Carta de amor ao meu filho pequeno quando a saudade é grande

Ah, meu filho! Volte logo. Venha ligeiro dessa viagem inesperada de veraneio. Venha porque o Natal está aí e o Papai Noel já chegou ao shopping. Eu vi. Estive lá ontem batendo perna e tinha um monte de criança e pai e mãe e avó na fila esperando uma foto com o bom velhinho.

Tanta gente bonita, filho! Daquela beleza que dá em todo mundo quando sente alegria, sabe? Eu senti também. Só não me achei bonito como todos ali porque faltamos você e eu na fila. E não é para me gabar, não. Mas nós fazemos uma dupla simpática!

Por aqui vai tudo bem. Quer dizer, mais ou menos. É que o vazio dessa casinha pequena sem você é enorme, sabe? Olha, um dia alguém vai lhe dizer cheio de fogo nas ventas, em tom afrontoso e irritado: “o mundo não gira em torno de você, rapaz!” Vai, sim. Será decerto alguém tentando baixar a sua bola, colocá-lo em seu lugar ou tão somente machucá-lo na cara dura porque você o incomodou de alguma sorte. Quando isso acontecer, não se aborreça porque é verdade. O único mundo que gira em torno de você, meu filho, é o meu. Este pequeno universo aqui, a vida do papai, só não explodiu ainda porque você existe. O outro, o mundo de toda gente, segue sua dança com ou sem a nossa presença.

Mas enquanto esse mundo pequenino aqui persistir você será sempre a grande estrela e a intenção mais sagrada. Hoje, enquanto você visita outra galáxia, meu planeta inteiro é só saudade, esse negócio estranho que a gente sente junto com amor. Quem tem amor sempre vai ter saudade, como tanta gente boa já disse e não tem problema nenhum eu repetir porque, você sabe, só uma completa besta para achar que pode ser original o tempo todo na vida, inclusive quando fala de amor.

Disso tudo importa mesmo sabe o quê, meu filho? Importa é que com amor a gente aguenta tudo! Escuridão, falta de ar, terremoto, chuva de meteoro, buraco negro, tempestade solar. A gente aguenta, sim, aguenta e passa ao largo, escapa. Sobrevive a tudo. Doença, violência, dinheiro pouco. Resiste até às investidas das quadrilhotas de sádicos que se juntam para escarnecer do sentimento alheio, gargalhando envaidecidos de fatos que eles mesmos inventam, nos atirando pedras e tábuas podres e fraldas sujas. Tão originais e tão santos, se arvorando doutores de tudo, atacando quem ganha a vida com honestidade. Se isso é ser original, eu abro mão para ser verdadeiro.

Mas esse lixo espacial vagando por aí feito espírito de porco é tão pouco para o nosso mundinho amoroso! Com amor a gente aguenta tudo, meu filho. Até saudade a gente aguenta.

Acho que eu fiquei assim cheio de coisa porque, além dessa meia dúzia de dias sem ver você, de repente me dei conta do quanto o meu menino tem crescido. Dia desses fui levá-lo de cavalinho nos ombros — lembra? — e dei um jeito nas costas que dói até agora. Você só tem sete anos e já fala como um pequeno adulto. Daqui a pouco será um jovem seguro, a mochila nas costas, embarcando para a vida longe de seus pais. Eu sinto uma felicidade do tamanho de um elefante, mas esse mesmo elefante me sopra com a tromba um vento gelado na barriga.

Melhor nem pensar nisso agora, né? Ainda tem muita infância sua pela frente. É que, assim como eu ensinei você a não segurar o xixi por muito tempo, eu também não me aperto de saudade. Saio logo contando.

Poder falar do que a gente sente é bom, meu filho. Bom igualzinho a você.  Menino BOM! Assim, em caixa alta, em maiúsculas. Seja BOM sempre! “Bonzinho”, jamais. Gente “boazinha” geralmente não vale muita coisa, faz intriga, fala mal dos outros pelas costas.

O universo, esse do qual você não é o centro, precisa de gente boa. Cada vez mais. E o nosso pequeno mundo aqui em casa precisa de você. Viu como é querido? Volte logo. Eu tenho saudade e o bom velhinho do shopping espera a sua cartinha.

Vai aqui o meu coração cheio de amor e um beijo do tamanho de um elefante.

Do sempre seu,

Papai.

 

André J. Gomes

É professor e publicitário.