Cena de abertura: Mulheres-calendário, com peitos em 3D, sorrisos famintos e bundas mais redondas que abóboras colhidas em generosa chácara. As línguas, parecendo saltar da enorme e coloridíssima peça gráfica, como às de camaleões safados.
Nubentes do diabo isso sim, eram as 12 moças que pulsavam naquele calendário, postado em parede-de-honra- nas principais oficinas mecânicas da capital. Uma peça, cuja renda da aquisição pelos donos das oficinas destinou-se a asilos de badaladas atrizes de filmes pornôs na década de 70.
Primeiro, houve um concurso do qual participaram 80 candidatas à gostosa do mês. Um júri, formado por renomados machistas, duplas sertanejas famosas e jogadores de futebol endinheirados incumbiu-se da tarefa erótica. Além de selecionar as 12 moças, os jurados deveriam apontar qual mês elas ilustrariam no calendário e por quê. Quem, dentre as candidatas tinha cara de enfeitar janeiro, fevereiro e assim por diante.
Começaram as avaliações. Janeiro, eles pensavam, seria bem ilustrado por uma mulher com cara de criança — já que o ano em curso apenas começava a engatinhar. Fevereiro, a escolhida deveria se assemelhar a uma passista de escola de samba, com paetês escorrendo pelos cabelos cacheados e muita ginga carnavalesca no andar. Março deveria ser representado por modelo estudiosa, de óculos-gatinho, pois o ano letivo nas escolas e faculdades aí se inicia.
Abril, uau, que coelhinha melhor enfatizaria este mês, recheado de guloseimas, ovos e chocolate em abundância? Claro que a selecionada deveria se encaixar direitinho em uma capa da revista “Playboy”, além de demonstrar claramente sua tara por cenouras robustas.
Que candidata casadoira, doida por fisgar um incauto marido, poderia figurar no mês de maio, dedicado às noivas? Moças que revelassem bons antecedentes, portadoras de sobrenomes respeitosos e com inegável ar de candura.
Junho, eita, vamos de festas juninas, quadrilhas, sanfonas, prendas e de moças um tanto rústicas, com seus sedutores trejeitos caipiras a envolver os desavisados. Os jurados coçavam a cabeça e a braguilha, pediam cerveja e caipirinhas para melhor se inspirarem diante dos árduos desafios que os norteavam (ou melhor, desnorteavam) enquanto se esbaldavam com a fumegante feijoada e suas tenras carnes, preparada para tão importante evento.
Julho nos remete a férias, viagens, papo pro ar e preguiça escancarada. Qual candidata melhor expressaria o “dolce far niente”, olhar de bocejo, boca malemolente? Aquela ruiva talvez parecesse ser doida por uma sesta. E Agosto? Agosto é melancolia, desgosto, muro de lamentações feminino. Quem sabe a bela garota de pele alva, cabelos negros e olheiras de noites atravessadas, seja a representante perfeita.
Setembro chega todo florido. Por coincidência, a moça de nome Flora, esbanja atitudes de uma saltitante flor do campo. Sim, ela posará nua, com um belo girassol alojado no baixo ventre. Outono homenageia as mulheres-fruta. A modelo baixinha e gostosa parece uma manga-carlotinha, escorrendo sumo pecaminoso do olhar.
Novembro se apresenta a seguir, desafiando o júri, neste momento um tanto atônito; Novembro é o quê, se questionam. Até que alguém sugere. Prévia do Natal, metade do 13º salário, direto na mão de gatas perdulárias. Gastanças à vista. Uma moça com ar de perua, toda produzida em saltos altíssimos e argolas douradas, rodeada de sacolas e laços de fita, traduzirá o que se vislumbra para este mês.
Dezembro, lógico, é pura festa. Mamães-Noel, nuas em pelo, apenas trajando um simpático gorrinho e pompons aquecendo o bico dos seios redondos e empinados.
“Mais uma caixa de cerveja aí seu Zé”, bradou o jogador Edmundo, para o gerente do clube onde o evento se desenrolava. Todos, mergulhados na feijoada, suavam e babavam sem disfarces também, apreciando os vaivéns das belezuras no palco improvisado.
Eis que se anuncia a última prova: o júri ainda deveria escolher mais sete moças que expressassem os dias da semana. Então, seriam 19 participantes, ao todo. Cara de segunda-feira, quem tem? E cara de quinta? Tarefa nada fácil. Muitas modelos levantaram o dedinho para serem a sexta-feira ou se encaixarem no sábado, dia, aliás, preferido do poetinha Vinicius. Todas loucas por lazer, baladas, sexo, praias e ócio. Domingo, entretanto, já acenava como final de festa e foi deixado de lado na ferrenha disputa.
O melhor dessa história toda ocorreu depois. Alguns detalhes, inclusive, não cabem nesta crônica. Afinal, estávamos num sábado rodeados de promessas. 19 lindas gatas selecionadas, algumas já com convite para ser capa de revista masculina, outras indicadas para alegrar programas vespertinos de teve e mais algumas para atuar como strippers em conhecidos clubes noturnos.
De repente surgiu um deputado e um vereador vindos não se sabe de onde, pleiteando moças para cargos de assistência político-turística — ou seja, acompanhantes de viagem. Chegaram em boa hora. E tudo foi acertado com euforia, chamegos e sem nenhum pudor, durante o café e o licor.