Estou criando uma nova rede social adaptada à tendência que mais cresce no momento: a cultura do cancelamento. É o Cancelbook. Ele é parecido com o Facebook, só que nele você adiciona apenas pessoas e empresas que deseja cancelar. Vou ficar bilionário.
Bolei essa ideia por pura necessidade. Tá difícil acompanhar a onda. Recentemente rolou o cancelamento do Marcelo Tas pelo povo da esquerda, depois do Roda Viva com o Marcelo Adnet. E a turma da direita já tinha cancelado o próprio Marcelo Adnet. Gosto muito dos dois. E agora? Podiam facilitar e cancelar o Tom Cavalcante. Dele eu não sentiria falta. Andei listando os cancelados por ordem alfabética para ver se não esqueci de ninguém. Ainda tô na letra F e a lista já é enorme. Vai levar dias até eu chegar em W, de Woody Allen. Tem como pular esse? Gosto dos filmes dele, poxa.
Mas o Cancelbook vai facilitar tudo. Porque você irá receber notificações para fazer cancelamentos diretamente da sua bolha. Super prático. Só tenho medo de que, com essa nova rede social, as pessoas acabem fazendo uma terrível descoberta: a de que os 7 bilhões de humanos no mundo NÃO pensam da mesma forma. Olha que loucura, vamos ter que cancelar o mundo.
Ou talvez as pessoas percebam que a cultura do cancelamento é inviável quando levada ao extremo. Todo mundo tem um podre na vida. Picasso foi um pintor incrível e um misógino incorrigível. Espero que não queimem Guernica por isso. E o Einstein, que humilhou e explorou sua primeira esposa, Mileva Maric? Vamos ter que abandonar a Teoria da Relatividade? Se sim, boa sorte para quem quiser usar um gps com precisão.
Claro, existem tipos de pessoas que merecem o cancelamento. Neofascistas e racistas, por exemplo. Aliás, eles merecem mais do que cancelamento. Uma paulada na testa é melhor. Mas esperar que todo mundo pense da mesma forma, com atestado de pureza incluso, é utópico. Tentaram fazer uma coisa parecida no século 20. Rendeu dois conflitos mundiais e uma guerra fria. Melhor não.
Por isso o Cancelbook vai ser útil. Ele vai arrumar o seu perfil com ajuda de algoritmos, sem treta. Porque, no fundo, o cancelamento é um ato frio de egolatria. O cancelador risca do mapa quem ousa não defender as mesmas ideias. E vai além: não basta não gostar de jiló, tem que mostrar pro mundo todo e não deixar mais ninguém gostar de jiló.
Imagine só: você vai ter uma plataforma prática para exibir sua suposta superioridade moral e ditar regras de conduta e gosto. Vai poder dividir o mundo entre “nós” e “eles”, com linchamento programado para quem estiver entre “eles”. Isso mesmo, como um pequeno ditador. Não é demais? Dizem que o nazismo, entre outras coisas, foi um movimento estético. Você agora pode criar um movimento estético, moral e cívico. Seja empreendedor.
E quando todos estiverem usando, eu peço para o mundo todo me cancelar. Porque um mundo de paladares, ideias e opiniões tão homogeneizadas vai ser um porre. Aproveito e aviso para quem já posa de juiz supremo da humanidade: pode me cancelar. Será um favor.