Você é linda como um gol de bicicleta

Você é linda como um gol de bicicleta

Você é linda como um gol de bicicleta. Sem você, a minha saúde mental entraria em colapso, com bola e tudo, antes de esgotado o tempo regulamentar. Vamos juntos. Quebremos as retrancas. Vençamos o antijogo. Humilhemos os anticristos com dribles desconcertantes. Venha, querida, não apenas balançar os barbantes, mas, desatá-los em prol da liberdade de expressão. O jogo político tá feio. Vambora virar o placar que ainda dá tempo. O bem está tomando de sete a um. Mesmo assim, driblemos a iniquidade. Não vamos baixar a cabeça. A esperança é a última que morre para renascer num gol espírita.

A regra é clara: são as paixões que movem a humanidade. Amemo-nos sem impedimentos. O fair play está no ar. Daqui consigo sentir o seu frescor. Pode até não haver unanimidade, mas você é tão suave quanto a chuva que cai sobre o gramado. Observe que a vida corre mais rápido quando a grama está molhada. Nossas almas estão lavadas. Venha balançar a rede que eu trouxe do Ceará. Estou pensando em me mudar para Jericoacoara. Jogar futebol de praia na Duna do Pôr do Sol. Dizem que o sol é para todos, mas, o fato é que cada povo tem o ocaso que merece. Não por acaso, há quem planeje golpes de estado, enquanto assiste ao astro-rei se pondo no horizonte marinho. Um contrassenso total. Tem gente que comemora gol-contra e ainda sai cantando de galo. Isso o VAR não mostra, quem dirá, explica.

Já chega de tanta canelada, de levar gol roubado, de tomar bola nas costas. Tabele comigo pelas beiradas. Abra as suas canetas de louça na meia cancha. Façamos um overlapping para enganar a sanha agressiva dos ineptos. Tratemos com carinho a bola, mas, também, as pessoas. Vamos chamar a alegria de “Meu bem”. Joguemos aquele feijão-com-arroz bem temperadinho. Chuveirinho na ária? Não, acho que não. Eu não gosto de ópera. Prefiro o samba. Neste momento, há milhões de operários, meus irmãos, sem emprego, sambando, desencantados pelas arquibancadas país afora.

Você é um espetáculo. Quero fazer o famoso “um-dois” com você, partir em velocidade pelas laterais do campo até atingir a felicidade na linha de fundo. As jogadas ensaiadas sempre terminam bem. Nossos filhos serão homens livres. Meu espírito desportista diz que não entrei nessa disputa somente para para cumprir tabela. Eu quero vencer a ignorância e o autoritarismo com você do meu lado e a torcida gritando alegre “Brasil! Brasil! Brasil!”.

Dispa-se deste manto sagrado. Vamos nos amar na zona-do-agrião, assim como a bola ama o gol, assim como a vida ama a liberdade, assim como canta alegre uma seleção de canarinhos. No caminho até a cidadania, há mais bolas divididas do que pedras no caminho. Apliquemos voadeiras sob ares de passarinho. Que vença o melhor que houver dentro de cada brasileiro, pelo bem da pluralidade ideológica, pelo contentamento do povo sofrido, pela paz reinante e a justiça social definitiva, há tempos sonhada pelos amantes do jogo democrático dentro das quatro linhas.

Você é linda como um gol de placa. A bola chutada do meio da rua, de três dedos, por sobre a decrépita barreira de reacionários, alcançando a forquilha, lá onde a coruja dorme. Quando estou acordado, é com você que eu sonho. Democracia, eu te amo. Ah… como eu te amo.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.