Coração é terra fértil e não importa o que se plante. Vai crescer

Coração é terra fértil e não importa o que se plante. Vai crescer

Não aguento mais essa gente pesada. Me sinto uma pluma no meio de uma manada de elefantes: espremida entre carne dura, frágil, roçando em peles ásperas, e a pavorosa sensação de que posso ser esmagada a qualquer momento. Me aflige essa gente espessa que só sabe se alimentar de picuinhas e cuspir chatices na cara dos outros.

Reclamam se faz sol, mas quando chove também não lhes agrada. A música é brega e alta demais, a comida está salgada, as pessoas são feias, tudo anda pela hora da morte, todos querem lhe passar a perna. A vizinha não presta, o chefe o persegue, a mãe é um pé no saco, o namorado é chato, a vendedora é arrogante, o colega é burro. “É por isso que o Brasil não vai pra frente…” E lá vem mais um discurso nauseante e intragável. Toda vez que isso acontece, parece que estão me empurrando uma sopa fria goela abaixo! Tenho vontade de sair correndo, sem parar, ao estilo Forrest Gump, e só repousar quando olhar ao redor e não encontrar mais resquício dessas criaturas!

Pessoas assim vivem como ratos em seus porões de sentimentos frios e escuros, acumulando lixo e procriando ódio. Corações densos chegam a pesar uma tonelada de tanto entulho. Contudo, sempre há espaço para mais uma penúria, cem gramas de inferioridade, três xícaras de inveja, dois tabletes de “a culpa é do outro”, meio quilo de soberba. E assim, o pobre coração de roedor, com sua caçamba aberta, vai absorvendo tudo o que se despeja nele. Como uma batedeira, ele processa, mistura, forma uma grande, pegajosa massa turva. E não para de crescer, porque coração é terra fértil e não importa o que se plante. Vai nascer, vai crescer, vai se multiplicar.

Por isso fujo, fujo mesmo, de camundongos disfarçados de humanos. Tenho claustrofobia dessa espécie que me abafa, aversão às sanguessugas, drama barato, problemáticas sem lógica, labirintos sem fim. Suas chagas e mazelas se espalham como praga em plantação, trucidando, aniquilando, dizimando, exterminando um a um numa velocidade pasmável.

Não sou antissocial, carrancuda, jururu, nem de mal com a vida. Sou justamente o avesso. Por isso me repele quem leva o fardo do mundo nas costas. Porque sou pena, folha ao vento, grão de areia. A vida pra mim é como uma valsa de Strauss e no meu baile, danço — sim, senhor! — sem vergonha e sem nenhuma lástima. Rodopio feito colibri!

Quer coisa mais agradável que um sorriso daqueles de esquentar o peito, pessoas primaveris e suas palavras solares? Aprecio gente risonha, esperançosa, positiva! Tenho loucura por felicidade sem motivo, calor humano, abraço apertado que não acaba nunca. Me fascina a tal da humildade, mão estendida sem olhar a quem, palavra amiga, colo de mãe…

É bem verdade, sou seduzida por olhares cintilantes e bocas que expelem vida, aquele que se emociona com final de livro, aquela que poetiza até o atraso do ônibus. Essas pessoas me arrebatam com tamanha doçura. São como singelos barcos de mel num oceano de fel.

É, meu camarada. Por isso que, em uma coisa eu acredito: em terra de ratos, passarinho é rei.

Karen Curi

é jornalista.