Você pode fazer o que quiser com isso. Guarde, jogue, passe adiante, sorria, chore, avise a polícia, reflita, esqueça. Não importa. É urgente dizer que eu tenho amor por você. Tenho, sim.
Não vai aqui nenhum pedido de reciprocidade, namoro, casamento. Nada disso. É só a minha necessidade teimosa de dividir o que eu sinto. Confesso. Eu até ensaiei no espelho para lhe fazer essa declaração com um certo jeito, mas resolvi ir direto. Sem rodeios e astúcias. Quem tem amor não perde tempo com bobagem. Eu amo e pronto. Amo! Tenho uma vontade grandiosa de trabalhar e construir e ter uma vida boa nesse mundo por onde você anda. É, dá em mim uma alegria tão grande, um sentimento tão cheio de dignidade que cada pedacinho meu se toma de uma pergunta simples, pegando fogo aqui dentro como mato seco no calor: se não for pra ser feliz, qual é o sentido disso tudo?
A vida é boa mas vez ou outra é tão difícil, né? Fazer o quê senão viver, então? O mundo é enorme mas é tão pequeno, os anos são longos mas o tempo é tão breve. Então vamos logo ao que interessa! Tome aqui o meu amor. Pode pegar. Ele não avança. É só amor.
Ódio, todo mundo tem de sobra. Deixemos de mentir a nós mesmos: todos já odiamos alguém ou alguma coisa. É do ofício de viver. Agora, passar por cima disso e seguir adiante é a escolha de se agarrar na vida, deixar o veneno escorrer pelo ralo, sair na urina. Eu aceito a troca. Pode demorar, mas devagar a raiva dá lugar à calma, esse recanto manso e agradecido dos amores. Entrego meu amor tanto quanto me recuso a confiar nesse negócio de que está tudo perdido e sem solução.
Está faltando é amor e eu tenho um tanto aqui a dar de graça. Fui juntando, sabe? Guardei amor com os anos e isso rendeu em algum fundo extraordinário de investimentos com juros e correções astronômicas. Fiquei rico. Agora quero dividir com o mundo porque o mundo tem jeito, sim. Mas dá trabalho, dá uma trabalheira danada e onde falta intenção amorosa também é fraca a disposição para a labuta. Você sabe, o amor é uma construção de vida inteira. E nós estamos sempre em obras.
Tome! Pegue aqui um bocado disso que me sobra e leve adiante. É só fazer o que eu fiz agorinha com você. Escolha alguém e diga a ele que anda rindo sem motivo, chorando sem razão. Diga a alguém que o quer bem. Pronto. Depois faça isso de novo. Com outro que também há de fazer bem a outra pessoa, e outra, e depois outra.
Você sabe, eu não sou dessa gente que se apega a tudo e a todos, não. Mas na vida, ah, na vida eu me agarro, me seguro, corro junto. Eu amo esse negócio de estarmos aqui em nossa companhia! E viver e amar são trabalhos coletivos. Nós precisamos uns dos outros.
Quando na vida falta amor, aí o nosso ódio desanda tudo. Repare. Repare no trânsito o sujeito que joga o carro em cima do outro, buzina raivoso, briga, xinga, parte pra cima de alguém com as mãos fechadas e uma bruta sede de ver o sangue alheio. Tivesse ele amor, não perderia tempo com essa bobagem toda. Aquele a quem o amor não falta nem liga quando toma uma fechada ou um buzinão. Deixa pra lá, respira, dá e pede desculpas, sorri, aumenta a música no rádio e segue seu destino sem ver a hora de estar de novo em casa, no seio de sua família, ao lado de seus amigos, na bem querença divina de suas coisas.
Vê quantas medidas paliativas e ridículas por aí, tentando inúteis substituir a necessidade de jogar em nossa cara que nós precisamos nos amar mais? Esperando diminuir o número de vítimas nas estradas, o governo obriga as fábricas automotivas a instalar freios infalíveis e airbags nos veículos. Quem sabe assim menos pessoas morram de desastre, né? Muito bem. Mas isso vai resolver é nada sem um pouquinho de amor entre nós.
Os carros deviam sair de fábrica com eletrodos nos bancos que disparem cargas fortíssimas de amor em seus motoristas e passageiros. O sujeito que tem amor ao outro tanto quanto a si mesmo não faz ultrapassagens proibidas e arriscadas a ponto de atentar contra a própria vida e a dos outros, não excede criminosamente os limites de velocidade, não avança no sinal vermelho contra pessoas na faixa de pedestres.
E para diminuir os homicídios? O governo aumenta as frotas policiais, reforça a vigilância, constrói cadeias, fecha o cerco. Está correto. Mas é pouco. Falta ensinar e praticar amor nas escolas. Amor que é educação e é empenho, trabalho, construção, respeito e tolerância.
Olha, a gente sempre pode se enganar, mas eu tenho a impressão de que um sujeito com o coração repleto de bons sentimentos não vai matar ninguém nem vai roubar, agredir, violentar e praticar o mal para que outra criatura também decida lhe tirar a vida.
Está faltando amor por aí. Mas amor não é que nem água, que a gente raciona. Amor a gente divide sem desperdiçar. Amor a gente entrega de casa a casa em caminhões-pipa. Borrifa lá do alto em aviões-tanque para apagar o incêndio raivoso e desesperado do cada um por si. Entrega em envelopinhos perfumados de sorrisos e palavras gentis.
A gente devia aprender que a vida é alguma coisa por aí mesmo, um exercício poderoso de amar. E que o ódio só se espalha por onde falta amor. Na horta de quem não tem amor o mato cresce em largo desmazelo, entre famílias de carrapichos, ervas daninhas, plantas carnívoras, aranhas peçonhentas e tantas abobrinhas indigestas, sem futuro. Eu tenho amor aqui. Pode pegar. É nosso. Nós precisamos uns dos outros. Aliás, até para ser sozinha uma pessoa precisa das outras, para delas se afastar ou, como em muitos casos, por elas ser deixada.
Acontece que eu ando de amores por você que eu nem sei quem é. Porque eu sei que você é todo mundo que caminha por aí. Não importa. Eu tenho amor aqui e você também. Juntando o meu, o seu e o de todo mundo, deve dar em alguma coisa boa na vida.
Fotografia: Diggie Vitt.