A literatura, definitivamente, não é o entretenimento que mais seduz o brasileiro. Com a concorrência da internet e de serviços de streaming como a Netflix, a leitura fica relegada a um terceiro ou quarto plano na preferência dos que aqui têm a sorte de serem letrados — e, sim, no Brasil, isso é um privilégio. Como se não fosse suficiente esse cenário desanimador, o mercado literário atravessa ainda uma crise vinda desde antes da pandemia, o que pode ser percebido claramente pelo pedido de recuperação judicial das duas maiores livrarias do país, a Cultura e a Saraiva. É partindo desses pressupostos que se chega à conclusão de que o novo tributo proposto pelo governo é absurdo, podendo representar a pá de cal que faltava para destruir o mercado brasileiro de livros.
A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil confirma algo que se percebe no cotidiano: o brasileiro lê pouco. Apesar de uma melhora dos índices em relação à mostra anterior, dados revelam que 44% da população não têm o hábito da leitura e 30% sequer compram livros. O patamar de 4,96 livros lidos anualmente por pessoa, em média — sendo apenas metade deles lidos até o fim —, demonstra que estamos longe de ser uma pátria preocupada com a educação de seu povo. Diferente de lugares como Buenos Aires, por exemplo, onde há basicamente uma livraria em cada esquina, por aqui parece reinar a indiferença com relação ao incentivo da leitura para a população. Há quem diga que enobrecer o espírito crítico do cidadão seria um tiro no pé para os dirigentes políticos, já que poderia ser prejudicial aos fins eleitoreiros dos governantes em um país cuja taxa de analfabetismo ainda está em quase 7%. Faz um pouco de sentido.
Reflexo disso e de outros fatores, a indústria literária passa por uma crise profunda. Além da quebra das grandes empresas, a alteração do perfil do leitor com a adoção de novas tecnologias fez surgir um período de adaptação no setor. Em meio a tudo isso, é evidente que escrever no Brasil é verdadeiramente um ato de amor. O mercado editorial não permite que os autores façam dinheiro como em outras profissões, mas ainda assim o objeto final acaba encarecido. O livro, no país, é consideravelmente caro. Por causa do mercado consumidor pequeno, as vendas seguem a mesma proporção, mas a confecção dos exemplares não custa menos por isso. Existem gastos fixos que, devido à tiragem tradicionalmente baixa, fazem com que o preço final acabe pesando para o consumidor.
Esse panorama, que já é lamentável em todo o seu ciclo, agora pode se tornar ainda mais insustentável. Apesar de a Constituição prever imunidade tributária para livros, não havendo, portanto, incidência de impostos sobre eles, um projeto de lei visa instituir uma contribuição que, no fim das contas, implicará uma taxação das obras literárias. É que, apesar de imunes a tributos, eles não são isentos de contribuições sociais, e essa manobra interpretativa resultaria no encarecimento de seu valor final. Seria uma quebra na tradição nacional de favorecer o conhecimento por intermédio da isenção tributária de bens que promovam a disseminação de conhecimentos, num retrocesso tão absurdo quanto desarrazoado.
É importante lembrar que em outros países essa imunidade tributária se faz presente justamente graças à sua fundamental importância para o crescimento intelectual da sociedade. O barateamento dos livros é de interesse de qualquer nação que valorize a leitura como método transformador, uma vez que ler é o caminho mais prático para se desenvolver uma comunidade culturalmente forte e plural. Com a criação da contribuição sobre os livros, o Brasil apenas demonstra que ser uma pátria educadora não está entre suas prioridades. A devastação no setor será grande, mas os reflexos em uma sociedade de evolução intelectual já notoriamente precária serão ainda piores.
O país das prioridades invertidas subverte sempre a lógica, e dá inveja a qualquer enredo trágico de livro. Ou de série da Netflix, que é uma alternativa mais barata e politicamente mais aceitável.