Os seus olhos dizem-me exatamente quem você é

Os seus olhos dizem-me exatamente quem você é

Os olhos dizem muito de uma pessoa. Há, inclusive, quem estude a composição estrutural da íris, propalando que seja possível revelar traços da personalidade de um indivíduo — além de diagnosticar morbidades físicas ou psíquicas — por meio da análise minuciosa deste minúsculo e colorido compartimento da anatomia ocular. Ciência ou charlatanismo? Polêmica à parte, eu não iria a fundo nas lucubrações premonitórias, perpetrando inquéritos, pesquisando segredos, perseguindo pistas nas nuanças e nas circunvoluções de uma íris. Expressão do olhar. Eu me detenho à superfície, à mímica e ao brilho orbitários, estações suficientes para que eu chegue às conclusões quase sempre certeiras.

Singra no mundo uma pandemia viral assombrosa que está nos forçando ao uso compulsório e fatigante de máscaras para mitigar o contágio viral que se dá por meio do vapor ou do cuspe. A recomendação geral é coibir as tentativas absurdas, desenfreadas e egoístas dos micróbios na perpetuação da própria espécie, ainda que às custas do sofrimento e da aniquilação do ser humano, até que a morte os separe.

Vivo num processo contínuo de aprendizado desde que dei as caras no mundo. Nasci sentado, com o cu virado para a lua, é como se diz. Sorte de uns, azar de outros. A lua, na verdade, nada mais era do que a lâmpada de um foco cirúrgico. O tempo passou, percebi que não tinha nascido milionário e me tornei um marmanjo furibundo que aprendeu praticamente nada sobre o viver. Em matéria de desencanto existencial, portanto, até pareço o poeta lisboeta. É vexatório recordar as mancadas que cometi. “Vida que segue”, alguém diria. De tão simplista e ordinária, acho esta frase verdadeiramente odiosa.

O plano da humanidade é complicar as coisas. Assim foi. Assim é. Assim será. O primeiro aprendizado marcante que tive foi constatar que não me era permitido — muito menos, plausível — engatar a marcha a ré para retornar ao claustro materno, o reduto ideal para me esconder dos males do mundo. “Perdeu, playboy. Para frente é que se anda”, disse o médico, estapeando-me na bunda e piscando para o corpo de enfermagem.

Acometido de uma timidez contraproducente, acabei me tornando um excelente observador. Não chego ao nível dos videntes da íris, contudo, virei uma espécie de expert em linguagem corporal, na avaliação dos gestos, dos jeitos e dos trejeitos, além de um ouvinte pertinaz especializado em timbres e modulações da voz. Vivemos um pesadelo com roteiro insonhável. Nenhuma pessoa, por mais tresloucada que fosse, imaginaria que os beijos estariam proibidos até segunda ordem. Espero que este decreto dos órgãos sanitários competentes termine antes da próxima primavera. Foi a prima Vera quem me ensinou a namorar. “É como andar de bicicleta”, dizia-me, entre safadezas.

Leitura labial virou ofício para os fracos. Por causa da peste galopante que amedronta o planeta, vai levar vantagem quem aprender a fazer a leitura dos olhos, a única parte anatômica da cabeça que tem alguma coisa a comunicar. O estado e a cor dos cabelos podem dar uma pista. As orelhas-de-abano nada traduzem, nem mesmo a burrice incipiente de um sujeito.

Para bom entendedor, uma piscadela basta. Vislumbro os seus olhos bailando por sobre a máscara. Acho que você me ama. Acho que você me odeia. Acho que você me engana. Os olhares assumem protagonismo e revelam muito a respeito de nós, inclusive, nada, o que não deixa de ser uma lástima. A falta de elã é um estado escabroso. Deixo, então, um conselho final aos que me acompanharam até aqui com os seus olhinhos que a terra haverá de comer — espero, sinceramente, que vocês vivam por um século —: fiquem atentos ao que os olhos têm para contar. Sigam os seus instintos, mesmo que vocês não sejam uma mulher. Afinal de contas, em matéria de sexto sentido, elas são imbatíveis.

Eberth Vêncio

É escritor e médico.