Meu coração bate como um relógio de parede: preciso e monótono. Às vezes, nos silêncios dos dias, posso senti-lo a pulsar na boca do estômago. Fenômeno interessante o viver. Mistério intrigante o deixar de viver. Os noticiários andam pavorosos. Ao contrário das pessoas, as estatísticas não mentem. Não sei dizer quando e por que me anestesiei. Tenho pensado como um relógio suíço. Uma perfeita lástima. Não dá para me orgulhar das expectativas primeiro-mundistas vivendo num país de causas miseráveis. Mesmo assim, não sonho em me mandar. Quero de volta a paixão latina latindo nos meus quintais interiores. Quem o meu coração pensa que é para se manter indiferente à notícia de outro ato de violência brutal contra um ser humano, um cidadão brasileiro que bem poderia ser o meu filho, um colega de trabalho ou aquela pessoa que escolhi para juntar as tralhas e dividir um apartamento sem os requisitos estruturais básicos para ser chamado de lar, doce lar? Esse sabor amargo que a vida pôs na minha língua não tem nada a ver comigo, não foi um ato deliberado de minha parte. Um excesso de empatia — eu suponho — se é que esse tipo de coisa existe. Preciso compreender melhor o que faria o meu coração disparar à moda antiga, além do anúncio de uma grana inesperada que caiu na conta ou de uma corrida a pé até a esquina para me esconder da chuva. Quem diria que aquele menino que se divertia na enxurrada crescesse para se transformar num adulto ordinário que evita pingos de chuva. Que se dane o paletó. Vamos lá: é preciso colocar os pingos nos is. Não me lembro quando foi a última vez que meu coração tentou saltar pela boca. Fisicamente, procuro me cuidar. Mentalmente, não sei se ainda tenho recurso plausível fora do trabalho, da música e da literatura. São dilemas que os remédios não desatam, muito menos, preveem nas suas bulas. Será pecado da gula eu ir comendo a esperança pelas beiradas? Já faz muito tempo que deixei de ser o menino feio que brincava na lama. Recentemente, passei por um checape minucioso. O médico gentil deu-me nota 10, com louvor. Achei o diagnóstico um tanto hiperbólico. Parecia mais bem-humorado que um dia de sol. Colei no seu carisma. A bola-fora foi ter falado pelos cotovelos ao garantir que o meu coração, de tão saudável, mais parecia um reloginho. Disto eu já sabia, doutor. Não o culpo por tentar me agradar. Eu precisava mesmo de um mimo. Encantar os pacientes fazia parte das boas práticas da medicina humanizada, um tipo de sacerdócio que anda em desuso. Poderia ter sido pior. Li nos jornais que um célebre personagem da república foi submetido a uma bateria de exames no Hospital Israelita Albert Einstein. Notem só a relatividade. O boletim médico garantia que Sua Excelência passava muito bem, obrigado, gozando de uma saúde de ferro. Todos os exames caríssimos, bancados pelo erário, comprovavam o que o povo já sabia e comentava nas ruas: “Aquele homem tem coração de pedra”.