Atenção: vendo coração por preço de banana

Atenção: vendo coração por preço de banana

Pintura: Leonid Afremov

Amar é mesmo uma coisa difícil. Amam-se bichos, amam-se plantas, amam-se carros, quadros, móveis, eletrodomésticos novos. Há quem ame o tapete fofinho, o cheiro de livro novo, um perfume ou doce de abóbora. Esse tipo de amor tem pra todo lado, a gosto do freguês, de todo jeito, tamanho e preço. Mas vou te contar que amar gente está cada dia mais difícil… Ah, se está!

O que mais se vê por aí são amores sem amor, como aqueles de posse, donos um do outro, tipo sequestrador e vítima, amordaçada e obediente. Um manda, o outro acata. São “felizes” assim nessa relação de sequestro, mesmo com a certeza de que esse contentamento tem prazo de validade. Existe também o amor de expectativa, onde uma vez superada, voa como mariposa pairando de flor em flor. Em outra categoria estão os amores pífios e baratos. Dão feito chuchu na serra e, de tão ordinários, não chagam a valer nem 1,99. Sobrevivem por interesse, sem paixão, alguns se mantêm vivos apenas por gratidão. Tem aqueles amores de fogo, que incendeiam aldeias inteiras, na mesma rapidez com que os lagos congelam no inverno, da noite para o dia. Outros mornos e sonolentos, rastejam sem saber pra onde ou por quê. Amor que dura, amor que acaba, amor que nunca foi amor.

Pessoas andam por aí oferecendo seus corações em bandeja como se fossem um petisco, um pedaço de qualquer coisa. Depois de uma provinha ainda perguntam se querem mais. Mais coração? Aceita maminha? Coxa? Está satisfeito? Não, senhor, muito obrigada.

Dizem eu te amo com a mesma frequência com que saúdam o vizinho, o porteiro, ou a secretária. Te amo virou sinônimo de bom dia. Beijo agora é obrigação, agradecimento por um olhar vazio, alguns minutos de falsa atenção, tapinha nas costas e meia dúzia de sorrisos amarelos. Despir-se ficou tão normal que, se você não o fizer, será substituída quase que imediatamente por outra carne, o que vai te render algumas horas de terapia. E assim as pessoas vão colecionando amores, alternando corpos, transferindo sentimentos e atribuindo novas sensações antigas às outras mãos, outras bocas, outros e outras…

Existe um amor módico que anda solto por aí. Vagabundo, ele para de casa em casa, feito cachorro sem dono, morto de fome, que sabe como fazer graça para ganhar um afago. Para amores assim, uma quentinha de ontem requentada é o suficiente. Pra que abrir as portas da sua casa e preparar um risoto, quando o esfomeado só quer, na verdade, um pão com mortadela? Ele não quer entrar, não quer sentar, nem beber um drink, muito menos saber de você. Um sanduíche no banco de trás do carro é o bastante.

Aonde vamos parar com tanta banalização de sentimentos? Por onde anda escondido o excitante mistério, a senhora expectativa? Eu preciso entender esse novo mundo, essa nova ordem mundial com toda a sua pressa de dar e receber. Porque não me encaixo, não consigo e não quero. Nado contra a maré e me nego a me enquadrar nesse modelo superficial de ser, de sentir, nessa ânsia de entregar tudo a todos.

Cadê o cortejo, a arte da conquista que faz a gente suspirar pelos cantos? Dançar agarradinho com direito a sussurros ao pé do ouvido… Sinto falta do toque inesperado das mãos e o desespero da indecisão de segurá-las, ou simplesmente congelar em chamas, sentindo o coração bater tão forte que o outro poderá ouvir! Me faz falta alguém que me escute com atenção. Quero respeito, exijo carinho, desejo mimos. E por mais que o outro em seu patético jeito apaixonado diga coisas sem sentido e elogios clichês, que seja bobo, vá lá, mas que seja sincero.

Tem gente que não acredita em amor verdadeiro. História pra boi dormir, dizem. Para alguns ele não existe, salvo em filmes românticos de trágico fim, ou nas poesias que choram saudades da amante. Há quem tenha visto, mas que depois de uns sopapos, duvida que seja mesmo amor de verdade. Então, é mais fácil duvidar mesmo, e viver com a ideia de que tudo é passageiro, que ninguém é de ninguém, que quantidade é melhor que qualidade.

Reconhecer o amor — esse de letras maiúsculas — e identificar no outro a possibilidade de ser a tua morada, requer muito trabalho. Trabalho mental e braçal. Demanda esforço, empenho, dedicação e, claro, a tão enigmática entrega. Porque a gente deve se doar a quem seja digno de nos receber. Como um prêmio que só é dado àquele que tira em primeiro lugar; uma forma de retribuir pelos seus méritos.

Aprender a amar é uma arte que só se desenvolve com o exercício. Primeiro, a gente identifica a compatibilidade de ideias, a afinidade por crenças, gostos parecidos. Só existe empatia se houver algum tipo de semelhança. Você se interessa, se reconhece, e então as expectativas começam a brotar. É assim que surge o amor… Tão devastador quanto onda em dia de ressaca. Sai levando tudo, lambendo, arrastando, puxando pra dentro das águas de fluído misterioso e energético. É isso. Assim é o amor de verdade e todas as suas profundezas: rasgadas, doloridas, sentidas com todas as gotas, poros, pelos e suores.

Guardemos o romantismo e as noites de amor com luz de velas a quem mereça entrar no nosso lar. Bilhetinhos apaixonados, olhares brilhantes e sorrisos escancarados serão entregues somente a quem faça as pernas tremerem. Músicas serão dedicadas, assim como cada centímetro do meu corpo será presenteado a quem demostrar vontade louca e desvairada de estar comigo incessantemente. Segredos íntimos, confissões e juras de amor serão destinados a quem comigo planejar o futuro e no presente comigo estiver, realmente, presente.

Andar de mãos dadas é para qualquer um. Trançar corações vai muito além do que entrelaçar dedos. Estar disponível para amar e ser amado de verdade, com pureza na alma, é uma tarefa que deve ser cumprida em dupla, porque você depende do outro e de sua disponibilidade, seu tempo, compromisso e doação.

Taí: amar é doar o que você tem de mais limpo e puro à outra pessoa. É escancarar portões, soltar os cachorros. É chuva com sol e arco-íris. Quando ele chegar, respire fundo, e guarde um pouco de ar nos pulmões, porque a onda pode ser forte e te deixar sem direção. Com a certeza de que é ele, o AMOR que está ali, mergulhe fundo, dê braçadas! Se jogue! Pode ter certeza de que vai valer cada minuto que você esperou pela onda perfeita!

Karen Curi

é jornalista.