Olha, tá pesado pra mim. Você me desculpa, mas eu preciso falar. Você mudou demais. Mas não é “mudou”, “mudou”, assim, como todo mundo muda. Você mudou para além da conta.
Eu sei, as pessoas se modificam mesmo. Mas você caprichou, hein? É claro que eu não estou me referindo ao fato de você estar muito acima do peso. Não! Isso acontece. Tá bom, eu confesso que não gosto nada desse negócio de você cochilar quando a gente vê televisão. É chato, sim. Você dorme, ronca, baba. Mas vá lá. O que eu não suporto mesmo vai muito além de tudo isso.
Você anda diferente. O peso a que eu me refiro é outro. Esse seu ódio adquirido de certas coisas às vezes se confunde com falta de amor próprio e, claro, com nenhum amor a mim. Desculpa, mas eu preciso falar. Você mudou. Não é mais aquela companhia boa que me preenchia, me completava e, de certa forma, dava sentido à minha própria existência. Não é, não. Hoje você é pouco mais que uma presença ausente e vice-versa. Quando está comigo, é de uma mudez colossal, uma distância próxima, um alheamento. Quando não está, ainda é como se estivesse ali, pesando.
Isso tá dolorido pra mim, sabe? Eu ando com saudade do começo. Sinto falta dos bons tempos. De quando nos encontramos, dos primeiros dias. Hoje eu lembrei da tarde em que mudamos de casa. Vê se pode! Éramos só você e eu naquela sala pequena, vazia, almoçando pão e mortadela às sete da noite. Lembra? Empurrando a comida com Coca-Cola. Ai, quanta recordação! Nós temos uma história. Quanta coisa nós vimos juntos!
Eu tenho saudade, sim. Saudade da manhã do nosso encontro. Dos nossos planos do começo. Tenho saudade. Mas sabe do que eu mais sinto dó? É que a gente não sonha mais juntos. É isso. Sonhar com você me fazia um bem danado. Eu aproveitava pra ser feliz nessas horas e acho que você também. A gente sonhava. Agora, me machuca demais assistir à sua desilusão. Ver você assim, compartilhando descrente abaixo-assinados virtuais sem fundamento, brindando ao ódio com os grandes espíritos de porco, os retrógrados cegos e os preconceituosos enfezados me dá uma tristeza funda.
É claro que eu continuo aqui, de braços livres, abertos e, apesar do tempo implacável, macios ainda, esperando. Mas me magoa, ah… chateia tanto esse negócio de você não acreditar mais. Porque eu sigo sonhando, sabe? Sonho mesmo. Quero o mundo melhor do que hoje! E você? Você agora deu de achar que tudo é utopia. Utopia!
Tá bom. Mas senta aqui e me diga uma coisa. Como é que alguém pode viver sem isso? Como é que alguém pode viver sem utopia?
Não pode! Uma pessoa não pode viver sem desejar o impossível! É assim que eu sei existir. Desejando a nova possibilidade. Portanto, sim! Eu acredito na utopia, a mesma de que você desdenha tanto.
Agora, você sabe o que é pior? Eu vou falar. Ah, eu vou! A minha maior utopia hoje é um desejo simples, ridículo, banal. Eu sonho e espero que você tome uma atitude prática e vá fazer alguma coisa, qualquer coisa por você, por mim, por nós.
Acorda, criatura de Deus! Levanta! Tira essa bunda de cima de mim e vai!
Com amor,
A sua poltrona.
P.S.: você me desculpe a sinceridade, mas tá pesado pra mim.