Aristóteles foi um sujeito muito esperto. Teve várias ideias que revolucionaram o mundo. Por exemplo, só pelo pensamento, concluiu que a matéria teria alguma porção mínima, o que conhecemos como átomo. Mas ele disse também que o Sol, a Lua e os Planetas giravam em torno da Terra, que seria estática. E mais: é aristotélica a concepção de causa e efeito, ou seja, a de que uma determinada ação, seguida de um resultado, seria sempre a causa daquela consequência.
Na sequência, o que a história nos conta é que a ciência se encarregou de desmentir Aristóteles e suas elucubrações. O átomo também se divide, como nos demonstram os programas nucleares e seus efeitos — benéficos e nefastos. Sobre a Terra e o movimento dos corpos celestes nem é preciso dizer muita coisa: conta-se que Aristarco, algumas décadas depois, já o contradisse, mas a sua teoria de que a Terra e os demais planetas giravam em torno do Sol foi recebida como uma heresia à moda grega, ou seja, perturbava o sono dos deuses. Copérnico veio séculos depois e, embora tenha ganho adeptos, seu heliocentrismo rendeu a Galileu um processo pelo Santo Ofício e, a Giordano Bruno, a fogueira.
Dito isso, resta-nos a causalidade. Ah, a causalidade! É ela que traveja nossos olhos com o orgulho de quem sempre tem razão quando enchemos nossas redes sociais de textões inflamados e cheios de certezas, afinal, é a ciência quem diz! Especialmente nesses conturbados dias, a ciência tem produzido, em larga escala, infectologistas de Facebook, epidemiologistas de Whatsapp e economistas de Twitter. Todos eles, seja lá quais forem as suas verdades absolutas, têm a seu lado a espada inquisidora da ciência, pois, é claro, os números e as estatísticas mostram que eles estão certos, sempre estarão.
Não vou entrar em detalhes, tampouco em números e discussões sobre o quadro epidêmico que nos tem deixado obnubilados por tantas notícias ruins — não bastasse o vírus, temos agora gafanhotos e furacões — mas apenas trazer um pouco de paz ao seu coração.
Veja: a causalidade aristotélica, que tanto nos seduz, é objeto, até hoje, de acaloradas discussões e, adivinhe, não é capaz de produzir um consenso sobre qual é o modo mais adequado de se produzir ciência.
Já faz muito tempo que Arnold Geulincx (1624-1669) trouxe da obscuridade à luz a história dos dois relógios que, perfeitamente sincronizados, davam uma determinada hora no mesmo exato momento, embora apenas um deles soasse uma campainha: quem observava apenas um deles — o que não tinha campainha — era levado a acreditar que ele, o relógio desprovido de sino, é que, com o movimento de seus ponteiros, era a causa do som.
E por que não lembrarmos de David Hume que, depois, nos disse que, apesar de relacionarmos imediatamente uma dor como a causa de um grito, “há uma longa cadeia de intermediários causais que consistem de processos nos nervos e nos músculos”, de tal forma que “percebemos apenas os termos finais deste processo, a volição e o movimento, e se julgássemos ver uma ligação causal direta entre estes estaríamos enganados”.
Será que Hume era louco, ou alguma espécie de bonequinho amarelo, de óculos e macacão azul, vivendo fora de seu tempo? Ou será que ele apenas percebia que, em situações iguais ou semelhantes, diante de dores, um mesmo homem poderia, em momentos distintos, se comportar de diferentes maneiras, ou até mesmo este homem, comparado com outros indivíduos, poderia se comportar de forma igual ou distinta, ou seja, uns gritariam e outros não?
O que quero propor aqui é que a ciência não é esse protótipo limpinho e cheiroso que imaginamos banhado em sais aromáticos diariamente: ela vive de experimentalismo e de dúvidas. Suas certezas são apoiadas em dados estatísticos, que podem ou não ser desmentidos em menor ou maior espaço de tempo. Para ficarmos apenas num exemplo, depois de anos a fio em que os óleos vegetais reinaram absolutos como os únicos capazes de garantirem uma dieta saudável, as gorduras animais voltaram ao radar de médicos e nutricionistas — ou, em outras palavras, enquanto um sanduíche de frango do McDonalds tem 0,4 grama de gordura trans, seis inofensivos biscoitos de água e sal carregam 1,2 grama do mesmo elemento.
E, é claro, há os famosos “erros” de Einstein, e um dos mais famosos é justamente aquele em que ele menoscabava do chamado “princípio da incerteza”, pelo qual, em um âmbito subatômico — ou quântico — é impossível determinar com precisão a posição e a velocidade das micropartículas. Ao que tudo indica, Heisenberg estava certo.
Não, moçada, eu não quero dizer com nada disso que desacredito o que os cientistas andam dizendo sobre a pandemia. A transmissibilidade homem-homem, a necessidade de isolamento social, a submissão a quarentenas, contínuas ou intermitentes, todas estão anotadas, com muito carinho, no meu caderninho.
O que eu quero dizer é que creio em tudo que a ciência propõe hoje da mesma forma que, se vivesse na época de Empédocles ou de Aristóteles, acreditaria que todos os elementos do universo se resumem a água, terra, fogo e ar. Afinal de contas, a nossa tarefa, nesse mundo de leigos em nada e certos em tudo, é acreditar.
E temos o sagrado direito de acreditar em qualquer coisa que quisermos. Aliás, se a sua praia é justamente crer que tudo já está definido, por exemplo, pelos planos de um Criador, tudo o que eu disse acima também continua valendo. É só lembrar que em João 18: 37-38, logo após Jesus Cristo dizer a Pilatos que tinha vindo ao mundo para dar testemunho da verdade, o governador da Judeia lhe perguntou: Quid est veritas? (O que é a verdade?). A pergunta ficou sem resposta.
Muito embora se possa dizer que o Salvador não deu a resposta porque Pôncio Pilatos, logo após a pergunta, foi ter com os judeus, para dizer-lhes que não via nele crime algum, o fato é que a questão ficou no ar. E assim permanece até hoje.
Enfim, podem atirar pedras à vontade sobre a minha peroração socrática, mas eu, de fato, só sei que nada sei. Compreendo se algum dia o martelo de Nietzsche venha me cobrar da minha dúvida e indecisão, mas, meus amigos, o quero dizer é: baixem as suas bolinhas.