O discurso honesto da figura eleita

O discurso honesto da figura eleita

Diz a lenda que num país distante, em algum tempo entre o hoje e o anteontem, um povo alegre e amoroso esperava com ansiedade por um evento histórico: após uma vitória apertada nas eleições para a presidência de sua terra, uma destacada figura política estava prestes a fazer seu primeiro pronunciamento em cadeia nacional.

Em todos os lares e bares, os televisores ligados aguardavam a transmissão ao vivo. Veículos de comunicação deixaram todo o seu efetivo a postos. Os portais de notícias registravam recordes de acesso. Milhões de almas esperavam com apreensão as primeiras palavras de quem agora estaria no poder de suas vidas. A pessoa alçada ao cargo mais alto da nação estava pronta para falar. E falaria aos que ganharam e aos que perderam. Celebraria com os que a escolheram, confortaria os que a queriam longe. Falaria ao povo que andava dividido e agora voltava a ser um só.

E começou seu discurso assim:

“Prezada gente desse lugar! A esperança venceu o medo. Nós ganhamos! Do fundo do meu coração, obrigado! A cada um que me assiste e me ouve, vai aqui a minha gratidão. Eu agradeço a confiança. Vocês depositaram em mim os seus mais profundos sonhos. Acreditaram nas minhas propostas, discutiram a minha história e a minha competência em casa, no trabalho, nas escolas e nas ruas. Desfizeram até amizades, parcerias profissionais, namoros, casamentos e outras relações pela simples discordância com aqueles que preferiram os meus adversários. E agora nós conseguimos!

Durante meses, nosso único e maior assunto foram as eleições que, graças à boa vontade de vocês, eu venci. Nós chegamos lá! E isso só foi possível porque vocês, é, vocês compreenderam a necessidade urgente de uma reforma política radical, de um pulso forte na economia, da ampliação dos benefícios sociais existentes.

Ao me escolherem presidente do nosso país, vocês entenderam a emergência de combater a corrupção em todo canto, dizimar os cargos de confiança, os favorecimentos e os privilégios que só enfraquecem os cofres públicos. Apostaram comigo na exigência de aumentar o salário mínimo e o poder de compra dos trabalhadores, diminuir a violenta carga tributária que inviabiliza o crescimento. E a vitória é nossa!

Com a verdade de sua vontade soberana, o voto de cada um de vocês foi decisivo para darmos início a uma série de medidas que transformarão a nossa realidade sofrida, reduzirão a dívida pública e trarão os recursos para revolucionarmos a educação e a saúde gratuitas! Porque educação e saúde são os alicerces de uma nação rica e vencedora.

E a indústria? O apoio do empresariado foi imprescindível ao nosso triunfo. Agradeço também. Agradeço a essa gente que dá emprego e ajuda o país a crescer. Essa gente que merece o meu empenho de volta. Merece novos subsídios e programas de crédito para prosperar e evoluir cada vez mais.

Aos artistas, ah… esses foram decisivos. Seu apoio luminoso, seu charme e sua inteligência influenciaram a escolha de milhões de admiradores. A eles vão o meu aplauso comovido e a minha gratidão absoluta.

Para os homens, mulheres, jovens, velhos, gente de todos os cantos e todos os jeitos que votaram ou não em mim: nós conseguimos! Venceu a coragem do povo atento, crente em todas as transformações que faremos a partir de agora. Porque o nosso povo merece viver bem! E nós vamos trabalhar dia e noite para realizar o melhor.

Começa já um novo tempo!

Agora, se vocês me perguntarem como é que eu vou fazer tudo isso, a resposta é muito fácil:

EU NÃO SEI! POR FAVOR, NÃO ME FAÇAM PERGUNTA DIFÍCIL!”

 

André J. Gomes

É professor e publicitário.