Prezado leitor, este texto será compartilhado no Facebook. Pode ser que ele tenha chegado até você por meio dele ou de outra rede social. Então, se chegamos até aqui, talvez seja o caso de refletir um pouco sobre como e porque estamos neste espaço.
Desde que éramos nômades, gostávamos de nos agregar. Depois, vimos que sedentarizar o modo de vida talvez fosse uma forma mais eficaz de manter esses laços: afinal, criou-se a partir de então um vínculo comum a todos, que era a ligação com a terra onde pousávamos os pés.
Dizem que a primeira rede social foi, na verdade, uma conversa de comadres e compadres em cadeiras de fios postas religiosamente ao final de todas as tardes nas calçadas em frente às suas casas (ah!, aquele tempo em que isso não gerava riscos). Ali, diariamente, revivia-se a vida própria de cada um e, é claro, a vida alheia. A futrica diária recebia curtidas, descurtidas e comentários, simbolizados, respectivamente, por sorrisos — contidos ou indisfarçados —, caretas e maledicências. E também gerava ramificações, com o compartilhamento que alguns eventualmente realizavam em outras comunidades das quais participavam (uma espécie de botão “share” acionado por mexericos).
Suas versões digitais criaram aldeias globais de conversa e exposição. É claro: minha tarefa aqui não é tentar desmerecê-las, embora vejamos com certa frequência as pessoas hipocritamente criticando redes sociais por meio de… redes sociais. Se é certo que abrigam aspectos negativos do contato social supérfluo e difuso, elas têm suas vantagens.
Zygmunt Bauman, aquele do mundo líquido, nos alerta para uma face dessa realidade que tem dois lados: se, por um lado, a exposição nas redes significa que nunca mais estarei sozinho, por outro, uma vez lá, jamais me sentirei novamente sozinho. Parece estranho esse jogo de palavras, mas é assim que é: a solitude nos proporciona privacidade, mas, ao mesmo tempo, provoca um sentimento de abandono. Bem sopesadas as coisas, vemos que as redes sociais podem lhe fazer bem ou mal por “nunca mais estar sozinho”. Como disse Bauman, “o medo da exposição foi abafado pela alegria de ser notado.”
Abro aqui um parêntese para esclarecer que não sou um entusiasmado adepto da modernidade líquida. É um sistema racional que abre brechas para a relativização de tudo, principalmente conceitos como a verdade e a vida. Mas, também, como não sou nenhum kantiano, vejo que isso nos permite refletir sobre a destruição do imperativo categórico e ressoa com mais propriedade a realidade digital de hoje.
É claro que há aqueles que, não sem certa razão, levaram ao extremo a ideia de que mais solidão — e uma vida regrada e próxima à natureza — permitiriam experimentar uma existência mais frutífera e menos vulgar. Do Papa Celestino V a Henry David Thoureau, há dezenas de eremitas famosos que, certamente, discordavam veementemente da máxima de Aristóteles de que “o homem que não vive em sociedade é um ser depravado.”
Se Ted Kasinski não tivesse explodido as pessoas, provavelmente sua tese fortemente crítica sobre “A sociedade industrial e seu futuro” ganhasse mais atenção, muito embora não houvesse qualquer chance de impedir os avanços tecnológicos que, nos dias de hoje, nos permitem ter nos bolsos poderosos processadores de dados, que tiram fotografias, permitem publicá-las em rede mundial de forma quase instantânea, fazem contas, traduzem idiomas, transmitem filmes, séries e novelas, propiciam a realização de reuniões telepresenciais entre pessoas separadas por distâncias continentais e, vejam só, fazem até ligações telefônicas.
Quem não quer uma maravilha moderna dessas à sua disposição? Mas é preciso lembrar, como disse Bauman, que “essas engenhocas tecnológicas… ficam incompletas sem o trabalho do usuário”. Ou, em outras palavras, elas existem para nos servir, e não para nos colocar em estado de servidão: algo semelhante ao que disse Victor Hugo, quando aconselhou que, tendo dinheiro, o colocássemos em nossa frente pelo menos uma vez por ano, dizendo: “‘Isso é meu’, só para que fique bem claro quem é o dono de quem”.
E aqui entra novamente Bauman, que diz que “submetemos à matança nossos direitos de privacidade por vontade própria. Ou talvez apenas consintamos em perder a privacidade como preço razoável pelas maravilhas oferecidas em troca”, ao mesmo tempo em que faz a constatação de que as redes sociais te deixam mais próximo de pessoas das quais está afastado, entretanto, mais afastado de pessoas de quem se é muito próximo. Alguém aí se lembrou da bronca que deu ou levou dos pais, do marido ou da esposa quando, digitando a próxima mensagem no Whatsapp, não prestou atenção no que falavam?
Enfim, embora Auguste Comte e seu positivismo filosófico não pudessem prever que os avanços tecnológicos chegassem tão longe, não é possível saber se, de alguma forma, ele o desejava ou não — afinal, Comte morreu em 1857. Mas o fato é que, por mais que, no fundo, algum saudosismo nos traga saudade do mundo analógico, não existe mais saída do mundo digital. A não ser que alguma hecatombe nuclear — ou o meteoro que tanto chamamos — promovam uma dizimação dos equipamentos de informática (e de boa parte da humanidade junto), estamos num caminho sem volta.