Querido João,
Viva! Hoje você e eu vamos passar o dia das crianças juntos. Podia ser na disneylândia, na praia, num circo de malabaristas lindas e ar-condicionado novo. Mas vai ser aqui mesmo, neste canto quente do mundo de onde eu saio toda manhã e para onde volto toda noite. Aqui na “casa do pai”, que é uma das duas casas que você tem hoje e só uma das tantas que haverá de habitar na vida.
Agorinha, enquanto você e eu vencíamos juntos uma guerra de travesseiros, antes de sujar a louça do café e acordar os vizinhos de baixo no corre-corre de uma barulhenta batalha entre o Capitão Cosquinha e seus inimigos carrancudos, este seu velho pai se deu conta do quanto a vida é um escandaloso privilégio.
Não há muito o que fazer por aqui, meu filho. Você sabe. Faltam grandes diversões eletrônicas, jogos incríveis, dinheiro sobrando para tanto brinquedo que a tevê anuncia. Mas daqui a pouco você e eu vamos descer no parquinho e dar risada dos cachorros que se cumprimentam cheirando os rabos uns dos outros. Você vai me contar uma piada nova, no seu português incrível para um rapazinho de sete anos, e eu nem vou ter de fingir que não conhecia.
Em um minuto, eu vou dizer a você “não faça isso” e você vai fazer. Vou repetir “escove os dentes” e você não vai escovar. “Tome banho” e você vai dançar de pés sujos no sofá. Na hora de comer, vai desprezar a salada contrariando os meus apelos.
Escolhi a sua roupa de hoje, coisa leve porque o sol anda pesado pra dar conta de um mundo de tantas friezas, e você preferiu uma outra completamente diversa. Eu rio nessas horas não porque sou permissivo. É que eu acho um barato você me lembrar de que as coisas nem sempre acontecem como a gente quer.
No fundo, bem aqui dentro, a gente sabe que quase nada na vida acontece do jeitinho que a gente espera. Na verdade, nada se realiza exatamente de acordo com as nossas previsões! É uma dessas leis universais que um dia toda criança vai conhecer e seguir. As coisas são assim e pronto. Aí vem você, meu filho, pilotando sua impertinência santa, e desobedece tudo de novo.
De repente, correndo atrás do seu patinete desgovernado na descida, prevendo o seu tombo feio, você não caiu. Eu é que tropecei no fato de que meu filho é exatamente o menino que eu queria ter, a criança que um dia eu sonhei ajudar a fazer. E que você e eu estamos exatamente no tempo e no espaço em que queremos e devemos estar.
Feliz dia das crianças, meu filho. E, pelo menos por hoje, chega de desobedecer o papai.