Um dia, desses dias definitivos na vida de toda gente, um homem ordinário olhou para os lados e se viu cercado de idiotas. Era isso. Estavam explicados a sua insônia, sua falta de apetite, sua impotência sexual, sua raiva do mundo, sua apatia no trabalho. Ele acabara de descobrir a causa de suas mazelas. O mundo lhe fazia mal porque estava povoado de imbecis. Pronto. Essa era a sua doença, ele estava diagnosticado! Agora só faltava iniciar um tratamento radical: daquele dia em diante, o homem dedicou seu tempo a catalogar e punir os patetas que encontrasse vida afora.
Começou com os estúpidos da empresa em que trabalhava, os arrogantes que supervalorizam assuntos mínimos em reuniões intermináveis para mostrar eficiência e esconder sua escandalosa barbeiragem. Seu ataque era simples e impecável: antes de uma reunião, ele consumia toda sorte de alimentos que lhe provocassem gases intestinais. Leite, paçoca, empadinha, café melado, canjica e abacate, muito abacate.
Sentava-se ao lado de sua vítima e, tão logo a ladainha pedante começasse, abria os portões de seu purgatório interior e transformava aquele ambiente de vidro e mármore numa câmara de tortura, ventarolando suas entranhas francamente entre seus colegas. E nunca mais uma reunião ultrapassou o tempo necessário para resolver o essencial.
Depois, saiu às ruas em busca de toda sorte de patifes fazendo das suas. Encontrou de tudo. Homofóbicos posando de moralistas, preconceituosos pregando verdades absolutas, vigaristas, machões de todos os sexos, espertinhos furando fila, subornando guardas de trânsito e reclamando de políticos corruptos. E o trabalho estava só no começo. A cada idiota, ele dava um tipo diverso de castigo.
Para as pessoas que insistiam em conversar no cinema durante o filme inteiro, essas que obrigam os desconhecidos da sala a participar da desgraça de sua existência, ele tinha uma punição especial. Sentava duas fileiras atrás e passava o tempo todo atirando amendoins em suas cabeças duras. Até fazê-las calar ou expulsá-las silenciosamente do lugar.
Aos bobalhões com carteira de habilitação ele dedicou uma represália sutil e audaciosa. Mal avistava um parvo acelerando com violência seu veículo em busca de atenção, como uma foca pedindo sardinhas, “vejam, eu tenho um carro e o motor faz barulho!”, ele parava na calçada em frente à faixa de pedestres, esperava a hora certa, estendia a mão e atravessava a rua caminhando devagar na frente do sujeito apressado, obrigando-o a frear bruscamente sua máquina e seu ímpeto raivoso de quem avança contra homens e mulheres e crianças e velhinhos e ciclistas, buzina em frente a hospital, passa no sinal vermelho, atropela e foge. Idiotas, idiotinhas e idiotões em motos e carros e carrões de todos os portes. O motorista surpreendido demonstrava sua ira acelerando mais forte, a pressão cardíaca ia às tampas, e o herói ordinário sorria satisfeito e vitorioso em sua empreitada.
Por vezes, ele quase fora atropelado, mas esse era um risco necessário em sua missão. Sabia o que estava fazendo. A arte de provocar um idiota consistia justamente em não se deixar atingir por seus ataques. Se havia de cutucar a onça, escolhia uma vara bem longa e se posicionava em canto seguro para fora da jaula.
E os mentecaptos perdidos de amor cego por si mesmos, então? Ah… esses sempre mereceram sua predileção. Porque nunca se tratava de mero amor próprio, autoestima elevada e essas coisas. Não. Para ele, era sempre um caso de polícia o sujeito que se adora acima de todas as coisas e passa o tempo todo falando de si mesmo, exaltando suas façanhas, enumerando em listas intermináveis as pessoas que o amam e admiram e o querem perto.
É, talvez fossem apenas seres inseguros mitigando a secreta certeza de sua miséria pessoal, mas isso não os faz menos panacas. Esses mereciam uma sanção exemplar. Ao avistar um deles, o homem ordinário enchia a boca de saliva, chegava bem perto e lhes dirigia uma série de gentilezas com as letras f e s, desaguando-lhe na cara uma chuvarada sutil de bombinhas de cuspe, uma saraivada de verdades incômodas. Depois desaparecia no mundo, sorrindo satisfeito.
Os canalhas estão em toda parte, pensava o homem contente com seu empenho. Havia muito o que fazer, esse trabalho era dele e um dia o mundo reconheceria a importância de sua missão. Alguém finalmente resolvera se lançar ao exercício de provocar as criaturas tacanhas, tirá-las de seus disfarces, puxar-lhes as máscaras e revelar o escroque essencial que nelas havia. Assim seguiu o homem, levando em frente sua arriscada e deliciosa arte de provocar um cretino. A insônia e a falta de apetite e a impotência já iam longe. Ele estava em paz e estado de graça.
Até que um dia, no fim da tarde, olhou de um lado, olhou do outro e nada. Não havia nenhum estúpido por perto, à espera para ser atacado. Mirou para cima, para baixo. Ninguém. Ali, sem nenhuma criatura grosseira a quem aporrinhar, ele sentiu a mais abjeta solidão.
Procurou de novo ao redor, em cima e embaixo, virou para um lado e para o outro e não encontrou o panaca seguinte. Então olhou para a frente e achou o que queria: lá estava, mergulhado num rio de autossuficiência e empáfia, um tremendo imbecil. Parado em frente ao espelho.
Visto assim, à luz da noitinha, seu próprio reflexo tinha um ar desconhecido, desesperado e banal, pavorosamente ordinário.