Outro dia foi 6 de junho. “Vocês estão prestes a embarcar na Grande Cruzada, pela qual temos nos esforçado todos estes meses. Os olhos do mundo estão sobre vocês. As esperanças e orações de todos aqueles que amam a liberdade marcham convosco.”
E foi mesmo uma grande jornada, como o general Eisenhower disse a seus soldados logo antes da Operação Netuno, o Dia-D, há 76 anos, iniciando a batalha maior, a Operação Overlord: 1.200 aviões, 5.000 embarcações e 160.000 homens cruzaram o Canal da Mancha para pôr fim àquela barbárie disfarçada de racionalidade e chamada nazismo.
Presto, portanto, meus respeitos — afinal, faço parte daquele time que, mesmo sendo incapaz de decorar os nomes dos donatários das capitanias hereditárias, sabe dizer a ordem cronológica das vitórias dos Aliados. Uma grande jornada, sem dúvida, foi aquele 6 de junho de 1944, e notem que a Segunda Guerra é uma história, teorias complexas à parte, fascinante, desde o seu início, por causa dos seus muitos momentos de heroísmo e canalhice.
Percebam sua magnitude: homens brilhantes como Churchill, Roosevelt, De Gaulle e Stálin, todos com sua húbris (o brilhantismo não exclui a canalhice, é evidente). Generais da estirpe de Patton e Rommel. Resistência, como no gueto de Varsóvia e nos últimos dias da ocupação alemã em Paris. A orgulhosa França batida e vendo a ignomínia dos franceses que colaboraram com os nazistas, mas também sabendo honrar aqueles que resistiram, muitas vezes apenas com pequenos atos cotidianos (não percam o discurso de André Malraux — está no YouTube — recebendo o corpo de um dos líderes da Resistência no Panthéon: “Entre ici, Jean Moulin, avec ton terrible cortège. Avec ceux qui sont morts dans les caves sans avoir parlé, comme toi; et même, ce qui est peut-être plus atroce, en ayant parlé; avec tous les rayés et tous les tondus des camps de concentration, avec le dernier corps trébuchant des affreuses files de Nuit et Brouillard, enfin tombé sous les crosses; avec les huit mille françaises qui ne sont pas revenues des bagnes, avec la dernière femme morte à Ravensbrück pour avoir donné asile à l’un des nôtres. Entre, avec le peuple né de l’ombre et disparu avec elle — nos frères dans l’ordre de la nuit…”).
Tudo muito humano, demasiado humano. Mas houve mais, muito mais: Anne Frank no seu esconderijo, durante anos, em Amsterdã. Von Choltitz, o general alemão que desobedeceu à ordem de Hitler para destruir Paris. Pessoas que deram fuga aos judeus; judeus vivendo em florestas, formando comunidades clandestinas. Londres resistindo heroicamente, durante meses, sob bombardeios diários. Sim, foi qualquer coisa de grandioso, principalmente se tudo é comparado às nossas medíocres vidinhas.
E, claro, Churchill, quase vencido, sofrendo as pressões do próprio gabinete para aceitar a dominação da Europa por Hitler em troca da sobrevivência da Grã-Bretanha, e ainda assim tentando convencer — e convencendo — os britânicos e o mundo de que deveriam lutar e que, se perdessem, teriam lutado por uma boa causa, teriam defendido a civilização contra a barbárie. Impossível não se emocionar com seus discursos (que o ajudaram a ganhar o Nobel de Literatura): “Eu diria ao Parlamento, como disse para aqueles que se juntaram a este governo: nada tenho a oferecer exceto sangue, trabalho, lágrimas e suor”. Ou: “Mas, se nós falharmos, o mundo inteiro — inclusive os Estados Unidos, inclusive todos os que conhecemos e com quem nos importamos — irá afundar no abismo de uma nova era de trevas, tornada mais sinistra e talvez mais prolongada pelas luzes da ciência pervertida. Vamos, portanto, nos unir em torno de nossos deveres. E saber que, se o Império Britânico durar ainda mil anos, os homens ainda dirão: ‘Este foi o seu melhor momento’”.
(Tenho certeza, amigos, de que fui soldado britânico ou maquisard em outra vida.)
A Segunda Guerra é então algo como um grande livro mostrando o pior e o melhor de nós humanos, e naquele 6 de junho de 1944, nós todos — vivos, mortos e ainda por nascer — estivemos no nosso auge.
Sim, sempre presto meus respeitos àqueles heróis.