Estava escolhendo tomates e ouvi uma voz conhecida chamar pelo meu nome. Tinha emoção no seu jeito de falar. Ao se aproximar, como quem iria me abraçar, ela logo se afastou e ficou parada a uns 50 centímetros de mim. Mesmo a uma distância considerada perigosa (deveríamos estar a dois metros uma da outra), ela abanou a mão para me cumprimentar. Parecia feliz de me encontrar, ao acaso, naquele hortifrúti que fica perto de nossas casas.
Minha amiga mora num condomínio que fica a cerca de 200 metros da minha residência. É só atravessar a rua para uma ir à casa da outra. Mas, por causa da correria (desculpa) da rotina, havia quase dois anos que não nos encontrávamos, até nos “esbarrarmos” — sem nos tocarmos — na frente de um monte de tomates. É que uma se casou, a outra está namorando à distância; uma tem filho, a outra tem outros compromissos; uma anda trabalhando muito, a outra também. Por poucas vezes nos falamos pelo Whatsapp nesses dois anos: que tínhamos que marcar um encontro, que estávamos com tanta saudade, que podíamos fazer uma caminhada na rua de casa, e que devíamos tomar um vinho.
Mas não fizemos nada disso, foi o que pensei enquanto minha amiga acenava a meio metro de mim. Senti uma alegria murcha naquele instante. Ela sorria (não podia ver seus lábios por causa da máscara facial, mas tenho certeza que eles sorriam). Senti vontade de envolvê-la em meus braços e pedir desculpas por não ter tido tempo de fazer isso antes, mas não pude. Agora, não podemos dar um simples abraço.
Como ironia da vida e a sua famosa falta de tempo, nem pudemos colocar o papo em dia — tinha limite de pessoas para entrar no hortifrúti. Fomos rápidas em nossa conversa para que as pessoas que estavam na fila pudessem fazer suas compras também. Abanando as mãos, nos despedimos e fiquei com meus tomates. Enquanto escolhia os mais maduros, pensei na paciente que tinha atendido naquele mesmo dia, mais cedo. Ela me contou que a parte mais difícil lhe tem sido ficar sem ver os netos; mas, dia desses, a saudade era tão grande que a filha levou as crianças para ver a vovó: “os meninos ficaram dentro do carro e eu lhes mandei beijos da calçada”.
Ao chegar na minha casa, olhei para o outro lado da rua e vi o condomínio da minha amiga. Fiquei triste. Senti um vazio diferente de todos os vazios que já senti. A melancolia que me tomava por inteira era uma saudade nova — e olha que já senti muitas saudades na vida.
Já achei que a saudade nem sempre era falta, mas uma presença imortalizada dentro da gente. Já vi a saudade em aeroportos, rodoviárias e domingos à noitinha, quando ela partiu junto com a esperança. Mas, também, já senti aquela saudade que dói como se tivessem tirado um pedaço da gente. E já listei a saudade em objetos e lembranças, como a boneca de pano que minha avó fez para mim.
Agora, a ausência e toda distância que fomos forçados a viver deram um novo significado às nossas necessidades. De repente, tudo que parecia importante (e a rotina carregada que sempre nos orgulhou), foi-se embora. Na frente do condomínio da minha amiga, senti um novo tipo de saudade: das coisas que eu podia ter feito e não fiz.