Sabe aquela promessa de leitura que te deixa irremediavelmente curioso(a) após uma breve espiada na contracapa no livro? Trata-se de uma ficção histórica, quer dizer, mais ou menos isso. Explico.
A narrativa reconta um dos episódios mais presentes no imaginário popular, os julgamentos das Bruxas de Salem. A genialidade do enredo está no fato de que a escritora caribenha, Maryse Condé, recriou todo esse universo sob a perspectiva de uma das mulheres condenadas, a negra escravizada Tituba. Importante dizer que essa personagem existiu de fato, porém, sua figura foi praticamente ignorada pelos registros da época. É que a vida dos oprimidos e marginalizados nunca foi objeto de grandes holofotes para fins de documentação histórica.
Mas neste livro, Tituba ganha voz e protagonismo. A partir de uma escrita singela, quase crua, dosada com belas passagens em que são revelados seus temores, aflições e desejos mais secretos, o leitor se vê enredado na sufocante atmosfera do vilarejo de Salem, na Massachusetts colonial do século 17. Nesse cenário, podemos testemunhar que o puritanismo vigente, cuja moral implacavelmente conservadora instalou no vilarejo uma paranoia quase palpável de tão densa, foi propulsor da maior caça às bruxas da história.
Em adição a todo esse contexto de moralismo exacerbado, Condé trabalha um conjunto de elementos — escravidão, preconceitos de raça, gênero e classe, intolerância e repressão religiosas, identidade e cultura afrodescendentes — que dão a tônica e sustentam a força e, paradoxalmente, a beleza do livro.