Minha caixa de e-mails recebe diariamente um tsunami de propostas de cursos online, webnários e e-books. Todos anunciam soluções para eu me dar bem no mundo pós-Covid-19. E me lembram que eu tenho que me preparar para aproveitar os novos nichos de negócio que vão surgir. Porque… você sabe, né? “O mundo não vai ser mais o mesmo depois da pandemia.”
Mas e se o mundo não mudar tanto assim? Pior: e se ele mudar tanto que eu nem mesmo vou entendê-lo? Todas as propostas me prometem um futuro brilhante. O problema é que esse futuro foi desenhado com base no presente. E o presente diz pouco sobre o mundo de amanhã. Calma que eu explico.
Normalmente a gente projeta o amanhã com base nas necessidades e desejos do presente. E isso complica as coisas. Basta dar uma olhada em filmes de ficção científica. Nos anos 1950 e 60 era comum eles mostrarem carros voadores e colônias terrestres em outros planetas. Lógico, porque isso correspondia ao mundo da época. Mandar astronautas para o espaço era novidade. Ter um carro próprio confortável também. O desdobramento para o futuro parecia óbvio: colônias espaciais e carros voadores! U-hu!
Só que não. Temos uma Estação Espacial Internacional, mas ela parece mais um “puxadinho orbital” do que uma “colônia espacial”. Carros voadores? Até já inventaram, mas são inviáveis por enquanto. Em vez de ir voando para o trabalho, é melhor ter uma boa conexão wi-fi para trabalhar em home office. Quem pensou em ser colonizador espacial ou mecânico de carro voador dançou.
“Mas você está falando de filmes, eu quero exemplos da vida real!” Sem problema, existem vários.
Que tal lembrar do começo da Era da Informática? A IBM previu que todas as pessoas e empresas iriam querer computadores. Fez a previsão certa, mas interpretou de forma errada. No começo ela achou que o negócio era ser a referência em hardware. Bill Gates sacou que ter uma “máquina” era importante, mas saber o que fazer com ela era bem mais importante. O segredo era bolar softwares. Não é à toa que se tornou um dos homens mais ricos do mundo. Steve Jobs deu outro passo e fez você querer ter um computador legal com softwares bacanas no bolso: um smartphone. E ganhou uma bela grana com isso. Ok, a IBM correu atrás do atraso, mas nunca ocupou o espaço que Microsoft e Apple ocupam no mundo atual. Porque perdeu tempo sonhando o sonho errado.
“Então não há nada que eu possa fazer?” Claro que há. Mas não adianta nada tentar prever o futuro sem ter uma visão clara das coisas. Economistas mais sérios já avisam: ninguém sabe muito bem até que ponto o mundo vai mudar. Não adianta sonhar em ser jogador de futebol enquanto a perna está engessada. No mínimo tem que esperar para ver o que o ortopedista vai dizer. E o mundo está com pernas e braços engessados. Então espere um pouco.
Enquanto isso, estudar e aprender coisas novas é uma boa ideia, sim. Mas nem sempre adianta muito tentar prever o curso que vai ser o seu salva-vidas em uma possível crise. Em um famoso discurso a formandos da Universidade de Stanford, Steve Jobs falou sobre a importância de “seguir a curiosidade”. Isso o levou a fazer um curso de caligrafia quando era jovem. O curso seria importante para o momento em que ele projetou o primeiro Macintosh, pois, segundo o próprio Jobs, aquele seria o primeiro computador a ter uma bela tipografia e múltiplas fontes de letra. Ninguém diria que aprender caligrafia faria diferença para o futuro de Steve Jobs. Mas acabou fazendo. Não era “tendência”. Mas foi útil. Nem sempre dá para saber o que será importante pra você amanhã. Seja curioso e simplesmente aprenda algo.
A verdade é que demora para as coisas ficarem claras. É só pensar na Revolução Francesa. Quem participou não imaginava que ela iria abalar pra valer a história do mundo. Muito menos que ela iria desembocar no “Período do Terror” que levou milhares de pessoas para a guilhotina. Ninguém saiu dizendo “Galera, bora fazer curso de carrasco porque essa carreira vai bombar!”
Por isso, se você não tem bola de cristal, estude. Reforce seus contatos. Busque atualização. E cuide da sua casa. Não dá para ser o empreendedor do futuro se você nem sequer cuida da louça suja. Vá com calma no desejo de se reinventar. Porque você pode ficar prontinho, capacitado e reinventado para um futuro que não vai se concretizar. E o pior: com a louça suja.