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Durante pelo menos 13 anos, o Partido dos Trabalhadores deteve a hegemonia política do país. A eleição de Lula, em 2002, foi um marco histórico representativo da esperança do brasileiro, que via um homem saído do povo assumir a presidência. Porém, a despeito das vitórias sociais, um quê de soberba quanto à manutenção do domínio político acabou por ser desencadeador do que talvez haja de mais absurdo para o próprio lulismo: o bolsonarismo extremado. E, dadas as evidências, é bastante difícil negar essa paternidade. O PT é, indiscutivelmente, o principal partido brasileiro desde a redemocratização. Esse protagonismo não surgiu de uma hora para outra. Após as traumáticas eleições de 1989, com a vitória apertada de Collor sobre o então deputado Lula, foram necessárias mais duas tentativas até que o Partido dos Trabalhadores chegasse à presidência do país. Começavam ali os anos dourados do lulismo, cujos laços construídos com o povo ao longo de anos faziam do partido um dos mais capazes de entender e dialogar com a população. Para chegar ao poder, no entanto, ele construiu alianças com antigos e históricos desafetos, além de promover uma alteração de sua roupagem eleitoral que envolveu financiamentos de campanha e adequações ao sistema. A cobrança demorou, mas veio. E custou caro.
O passar dos anos trouxe as denúncias de corrupção. Para administrar o país, o PT se portou como refém de acordos estratégicos, o que resultou no até então maior esquema de corrupção descoberto no país, o “mensalão”. A visão romântica que um dia havia pairado sobre o partido, cujos ideais anticorrupção acabaram substituídos pela devoção à figura de Lula, acabou se perdendo e dando lugar a uma inenarrável soberba. Nas palavras do próprio ex-presidente, o partido “se lambuzou” no poder e acabou se desgastando com a opinião pública, uma vez que se negava a fazer qualquer espécie de mea-culpa diante dos escândalos que se sucediam.
Para defender o partido das acusações, consideradas injustas, surgiu uma espécie de militante feroz e, muitas vezes, agressivo. A mania de perseguição, em vez de gerar uma justa reflexão, foi responsável por uma total cegueira ideológica. Todo adversário precisava ser apontado como nazifascista, a mídia precisava ser regulada e chegou-se a cogitar uma Constituinte exclusiva para reformas. Foram essas e outras situações — como militantes defecando em imagens de Bolsonaro ou praticando atos obscenos com imagens sacras —, viralizadas até o infinito, que abriram espaço para que os pseudoconservadores ressuscitassem, por assim dizer, o fantasma do comunismo, com o objetivo de colocar o PT como centro de todos os erros do país. Por mais anacrônica que pareça, essa estratégia acabou dando certo. E não foi por acaso.
As atitudes petistas afrontavam os valores da maioria da população. O brasileiro é, por natureza, conservador. Mais de 80% da população é religiosa, e temas como a liberação da maconha e o aborto ainda são tabus. Aproveitando-se desse sentimento, surgiu uma neodireita tímida, mas barulhenta, que apontava os erros petistas a todo instante e começava a sair às ruas. O movimento cresceu em razão do petismo, como forma de combater os supostos desmandos conduzidos pelo partido de Lula. Vieram as eleições de 2018 e o PT quis manter a sua liderança política, desprezando seus aliados, investindo na tese da elegibilidade de Lula e praticamente escolhendo Bolsonaro como adversário. E ajudando a elegê-lo.
É evidente que os escândalos de corrupção, os apoios esporádicos a ditadores, a adoção de corruptos como “heróis” até as últimas consequências e a eleição de Dilma — que polarizou de vez o país — foram importantes nesse processo. Mas foram, principalmente, as atitudes dos militantes e simpatizantes que propiciaram o surgimento de uma oposição tão reacionária e violenta. Violenta em contraposição à violência. Basta recordar dos episódios de banho de purpurina em Bolsonaro, da cusparada dada em seu rosto, dos tantos episódios de agressões gratuitas (e sem revide) a opositores e à imprensa da época petista. O vitimismo mudou de dono, mas são dois lados de uma mesma moeda.
Jornalistas agredidos em manifestações. Gritos de guerra e intimidações na porta de integrantes do judiciário. A rede Globo e a Folha de São Paulo como inimigas mortais do bem-estar do Brasil. A proteção de familiares suspeitos de crimes. De qual dos lados estamos falando? Não é possível identificar. Não há falsa simetria: são atitudes iguais, praticadas por lados opostos. O fanatismo e a soberba do PT criaram paulatinamente um inimigo à altura, que ao assumir o poder adotou os mesmos planos de ação tão exaustivamente utilizados por ele. Mas o teste do espelho não falha: lulismo e bolsonarismo, com ressalvas aqui e ali, diferem basicamente nas cores escolhidas para suas bandeiras e nas palavras de ordem gritadas. De resto, são pai e filho que caminham juntos em direção ao horizonte infinito da intolerância imoderada.