Um dia, em algum lugar desse mundo, num tempo de que já nem mais se fala, existiu um casal perfeito. Era aquele. Ele que era ela, ela que era ele e vice-versa. Eles eram assim, sabe? Como se fossem um só. Formavam a união definitiva, irretocável. O amor verdadeiro, infinito, exemplar.
Havia tempos em que viviam juntos, grudados, para cima e para baixo. Iguais. E havia outras fases em que se deixavam partir sem dor, sem mágoa. Cada um em seu canto do mundo e o amor ali, entre eles, alheio ao distanciamento, crescendo como pão de ló.
Quando estavam juntos, reconciliados, caminhavam em círculos na pracinha do centro, daquelas praças com gramado esmeralda, cachorros sem dono, bancos de pedra patrocinados pela farmácia e a padaria e o mercado. Caminhavam desde a tardinha até a noite, em puro e absoluto encantamento. Unidos como gêmeos condenados à companhia eterna. Mas tinham um grandioso prazer de ser assim. Faziam tudo em dois. Dormiam, acordavam, ganhavam e perdiam juntos. Sempre juntos.
Nos tempos de separação, seguiam a vida sem o menor problema. Eles se amavam tanto que até se permitiam um pouco de espaço. Depois voltavam de repente e sem aviso a caminhar juntos, o céu azul como destino.
Ligados um ao outro de uma sorte infalível, jamais se cansavam de ser assim. Tinham a sincronia impecável de dois limpadores de para-brisa. Eram seguros como dois trapezistas saltando para a morte sem a rede lá embaixo, certos da mão forte sempre à espera. Viviam assim, esbanjando seu amor insuspeitado, firme, com o talento de dois patinadores no gelo, belos, flexíveis, articulados.
Em sua vida de todos os dias, um amparava os sonhos do outro sem nunca, nunca abrir mão de seus próprios planos. Se havia respeito? Ah, o respeito ganhava entre eles um significado maior. Eles se respeitavam de forma total. Em suas conversas com os amigos, até suas discordâncias concordavam. Seus pontos de vista divergentes se completavam até denunciar uma admiração flagrante pelo companheiro.
Entre eles não havia ciúme, competição, chantagem emocional, saudade descabida e essas coisas que acometem os casais imperfeitos. Eles eram o casal perfeito. Juntos, eram um só.
Brigavam, também. Claro. Mas eram brigas de acertar os ponteiros, entreveros de quem realmente se importa, nunca a ponto de tentar mudar-lhe a essência, mas de lapidar-lhe em suas falhas de Deus e todo mundo. Suas brigas eram buracos inevitáveis no caminho da compreensão. Eram uma só alma, uma só cabeça. Uma só pessoa. Eram um caso raro.
Um caso que os maiores especialistas da época, médicos psiquiatras formados nas melhores escolas, diagnosticaram como um severo quadro de esquizofrenia aguda. Pura imaginação, fantasia, alucinação. Delírio. Ele que era ela. Ela que era ele. Ou era o contrário? Não importa. Eles eram um só. E, no fundo, aqueles médicos eram nem um pouco românticos.
Um dia, em algum lugar desse mundo, num tempo de que já nem mais se fala, existiu um casal perfeito.