As notícias sobre a proliferação do coronavírus são bastante preocupantes. Acompanhando o ritmo da América Latina, o Brasil é um dos grandes atuais focos da doença, o que evidencia a necessidade de adotar medidas mais urgentes em lugares cujo sistema de saúde já aparenta colapsar. Na ponta da confusão, as minorias e os mais vulneráveis seguem como bodes expiatórios, sendo encarados como experiências sociais relegadas à própria sorte. Suas vidas, afinal, parecem nada valer para boa parcela da sociedade, dentre elas, alguns políticos. Nada mais do que um lamentável retrato de uma nação que parece não se levar a sério na pior das situações.
A noção que se tem sobre o início das contaminações aponta para a cidade de Wuhan, na China. Naquela região de proporções continentais, desde o primeiro caso confirmado até hoje, foram menos de 5 mil óbitos registrados nos dados oficiais. No Brasil, onde o surto começou há apenas dois meses, os números ultrapassaram o do país asiático e já são mais de 20 mil mortes, segundo o Ministério da Saúde. A tendência prospectiva, infelizmente, não é nem um pouco animadora, muito em razão da pressão de movimentos anticientíficos pela flexibilização do isolamento social, que é o único meio até agora apontado como eficaz no combate ao crescimento dos contágios pelo vírus. E o perigo reside justamente na estrutura social peculiar do país em que vivemos.
Consoante dados da Agência Brasil, aproximadamente 7% da população vive em situação de extrema pobreza. O número parece diminuto, mas a comparação em razão da dimensão continental do país traz à tona a lamentável realidade: os milhões nessa condição equivalem ao total de população de países como Grécia e Portugal. São pessoas esquecidas pelo Estado, que sobrevivem como podem e não têm acesso à devida informação — muito em razão do baixo nível de escolaridade. Em se tratando de um vírus que se propaga em progressão geométrica em razão de aglomerações, nada mais temerário do que a vida em locais humildes, apertados e quase impossíveis de se estabelecer isolamentos sociais.
A estrutura social brasileira, há muito abalada pela desigualdade social e pela inesgotável guerra política, parece agora ruir em direção ao colapso pela via da saúde. Uma análise mais detida sobre as particularidades do Brasil demonstra o óbvio: a propagação de desinformação, aliada às subnotificações e às condições de miserabilidade são comburentes que colocam paulatinamente o país no ápice dos registros mundiais. Esses números apresentados até agora, em sua realidade, não são compatíveis com os horrores sentidos pela população e vividos diariamente pelos profissionais da saúde.
Cidades como Manaus e Fortaleza, por exemplo, já se encontram em estado crítico na manutenção da saúde pública. De se recordar, com muita lamentação, que autoridades brasileiras trataram a pandemia em seus momentos inicias como uma grande besteira que poderia ser combatida pelo calor do país, por um remédio milagroso testado e desaprovado na maioria dos países, por um histórico de atleta e, principalmente, com o auxílio de muito deboche e desdém para com as principais vítimas das estatísticas. Em meio a todo esse caos, o governo trocou o Ministro da Saúde, sem maiores explicações que não a sua conduta em encarar o vírus de uma maneira mais séria. O seu pecado parece ter sido fugir à regra de tratar o vírus como uma “gripezinha”.
É nessas horas que se deve refletir sobre a maturidade de quem conduz os rumos da nação. Idosos, enfermos de toda natureza, pobres e vulneráveis deveriam estar como prioridades das ações de combate ao vírus — e não como petiscos em uma bandeja para a morte se servir. Levantamentos oficiais apontam que o país caminha em ritmo acelerado para um caos devastador no sistema de saúde e aquelas cenas de filmes gore de outros países, com corpos carregados como pedaços de carne, já não são uma realidade tão distante. Infelizmente, quem sofre é o povo, conduzido por políticas surreais e com atitudes desarrazoadas de apoio a flexibilização, com claro flerte do chefe do executivo. Um panorama desprezível e que a cada dia demonstra a falência de nossa humanidade. Ou o que restou dela.