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O período era de guerra fria e o Brasil estava em um momento bastante conturbado. Os programas de reforma de base do então presidente João Goulart ligaram o alerta em vários setores sociais que temiam o comunismo no país. Eclodiram comícios antagônicos com milhares de pessoas, como o da Central e a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Os excessos do momento culminaram com uma tomada de poder por um golpe civil-militar no dia 31 de março de 1964. Aquela data ficaria marcada na história nacional e, a partir de então, iniciava-se um regime que duraria 25 anos. Um passado não tão distante, com muita controvérsia, mas um curioso e lamentável legado: o seu rebanho de saudosos ferrenhos defensores.
Supressão de liberdades, exilados políticos, repressão aos radicais e o famigerado AI-5. O ano de 1968 representou a guinada de endurecimento do regime militar, com a concessão de poderes exorbitantes ao Presidente da República, como os de cassar mandatos e decretar o recesso do Parlamento, além de suprimir direitos como o Habeas Corpus para crimes políticos. Os militares, como o próprio preâmbulo do Ato Institucional previa, tinham o claro objetivo de controlar ideologias contrárias aos interesses do povo (leia-se: comunismo). Assim, os atos mais bárbaros seriam o meio necessário para se alcançar a restauração da ordem interna e o prestígio internacional da pátria.
Os anos de chumbo, com o DOI-CODI, trouxeram a sistematização da repressão estatal. O trauma desse período perdurou em muitas famílias brasileiras durante anos e, mesmo com a Comissão Nacional da Verdade e sua tentativa de elucidar possíveis crimes humanitários cometidos nos tempos de regime, não houve nada capaz de estancar essa sangria obscura brasileira. Ainda assim, permanece no imaginário de muitas pessoas até os dias atuais um nefasto fetiche de retorno desse período, na tentativa de restaurar um novo regime com o viés de moralizar a política nacional e devolver o país aos rumos novamente. Um movimento que, infelizmente, cresceu nos últimos tempos.
Não há como se entender a nostalgia pela supressão de seus próprios direitos. Na medida em que se exige a concessão de poderes autoritários a quem quer que seja, a consequência natural é a limitação das liberdades fundamentais em prol de uma eticidade e de valores morais que sequer são de fato comprovados em qualquer momento da história. A hierarquia e a disciplina dos militares parecem fascinar pessoas que enxergam nessas abstratas virtudes de retidão uma solução para os números espantosos da violência, da corrupção e da precariedade da saúde. No fundo, obviamente, todo brasileiro torce para um país melhor. Mas estes que pensam em volta da ditadura precisam beber melhor da fonte inexorável da história.
Nenhum período ditatorial foi bem-sucedido em solo nacional e, por isso, suas ressonâncias devem ser veementemente repudiadas. Tampouco o radicalismo do AI-5 pode ser aceito como solução de qualquer problema que seja, por mais alarmante que pareça. Fechar o parlamento e o STF só pode ser ideia viva em enredos fantasiosos e mundos novelescos; não na vida real. A democracia no Brasil, tão recente e desgastada, não pode tolerar sua autodegradação. O futuro não se constrói com tijolos do passado. Porém, na cabeça de quem segue o fluxo do radicalismo, o diálogo e a construção soam como ruídos e a obstinação militarista os impede de ouvir. Para eles, apenas um som apetece e acalma: o berrante. É a ode a um cálice pretérito que não parece querer se afastar.