Faça tudo comigo. Mas não minta para mim

Faça tudo comigo. Mas não minta para mim

Faça tudo comigo. Me xingue, me bata, me empurre. Mas não minta para mim. Bote o dedo na minha cara, me acuse, me humilhe, me chame do que quiser. Mas não minta para mim. Me ignore, finja não me ver, não me ouvir, não me dê a mínima. Mas não minta para mim.

Meu avô costumava dizer que a mentira é o pior mal do mundo. Eu queria entender por que as pessoas mentem, o que fica dentro de nós e o que dissolve depois de cada mentira. Cheguei à conclusão de que mentir é o pior que podemos fazer com alguém e com nós mesmos. Na verdade, nem o nosso pior inimigo é merecedor de uma trapaça arraigada e entranhada capaz de perfurar a alma e arrancar o seu maior tesouro. Mentirinhas tolas à parte. O nosso assunto aqui é sério. Não existe nada mais sombrio do que manipular sentimentos, semear sonhos ocos em alguém que abriu a porta da casa, passou um café e te serviu na melhor louça. É crueldade demais enganar um pobre coração com a mesma facilidade que se despeja uma comida estragada no lixo. Tem gente que só olha para si mesma e que sejam feitas todas as suas vontades. São realezas dentro de um castelo feito com as pedras dos outros. O mentiroso tem a malandragem de farejar longe o ponto fraco, esperteza tamanha para fincar suas garras na debilidade alheia. Ele atua precisamente na necessidade do outro de ser aceito, de ser compreendido, chega junto e toma conta da nossa confiança. Porque existe a necessidade de aceitação e sempre existirá, assim como o persuasor e o persuadido. Como um caso de dependência inconsciente ou, em outros termos, a famosa carência. Ela é involuntária e uma grande incentivadora da entrega.

Acredito que a pior parte da calúnia ocorre quando ela é descoberta. Porque ela vem de mãos dadas com a decepção, com a sensação de que somos tolos, nos ridiculariza diante do que temos de mais limpo: a nossa boa-fé. Quando a gente descobre uma mentira, é como se nos sentíssemos sujos. A sensação é de imundice. Imundice esta que alguém fez na nossa casa e simplesmente bateu a porta. Sem contar que a credibilidade também foi embora. Em outras palavras, é mais ou menos assim: o vaso partiu em mil pedaços, se estilhaçou pela sala. Quebrou a confiança. Você vai varrer, jogar no lixo e colocar os sapatos para proteger seus pés, caso ainda tenha algum caco de vidro pelo chão. Depois de um tempo arrumando a casa e tirando os móveis do lugar, você encontra um ou outro pedaço do vaso que rompeu. A única coisa que resta, contudo, é jogar fora.

A mentira é tão terrível que nos rouba de nós mesmos. Ela arranca um pedacinho lá de dentro que nunca mais vai se repor. É como uma planta brutalmente cortada com uma faca. A raiz está lá dentro da terra. É o que chamamos de bondade, é a nossa ingenuidade que ficou ali embutida sem ter subsídios para se desenvolver. Os caules apáticos e as flores caídas no chão vão secando com o sol, esturricando, morrendo, como nós mesmos que nos tornamos duros diante das decepções. Vamos sucumbindo aos poucos, cada vez que alguém puxa as nossas folhas. Nós endurecemos com as tesouradas da vida toda vez que alguém vem na mão grande e arranca as nossas flores sem ao menos pedir permissão. Essas pessoas são como tratores que massacram jardins inteiros sem avisar, apenas visando a sua própria plantação. Ora, somos todos vasos de plantas. Todos necessitamos de sol, de chuva, de cuidado para florescer. E também precisamos de tempo, de vento, borboletas, novas estações e, claro, de amor.

A verdade dói. Dói muito, mas é a dor da raiz sendo puxada com tudo, de uma só vez. Depois o vaso se enche de terra novamente de adubo, sementes são plantadas. Com tempo e dedicação, a gente vai se regando todos os dias e, quando menos esperamos, chega a primavera e nasce a primeira flor. Pronto. É a prova viva de que não morreu a esperança, a bondade, aquela inocência até mesmo infantil. Nasceu a fé outra vez. Brotou a certeza de que estamos realmente vivos e que podemos, sim, confiar novamente.

Sabe o que eu quero? Lançar um desafio. O desafio para que as pessoas sejam verdadeiras, para que não façam aos outros o que não gostariam que fizessem a si próprio. Vamos tentar? Só por hoje! E, quem sabe, o hábito vira rotina?

Karen Curi

é jornalista.