Fotografia: Marcos Corrêa/PR
O mundo vive um momento único de tristeza. Em países como os Estados Unidos e a Itália, o número de mortos em decorrência do novo coronavírus causa comoção e medo, fazendo com que os chefes de Estado encarem a situação como uma verdadeira guerra. Medidas duras são tomadas ao redor do globo; doentes ficam sem visitas, mortos são enterrados sem velório e sem a família — muitas vezes em valas comuns —, idosos ficam sozinhos em casa. Com tudo isso, soa quase como um eufemismo qualificar o período apenas como trágico. Não é nada surpreendente, portanto, o isolamento social ordenado pelos governos mundo afora. Enquanto isso, no Brasil, a quarentena é encarada com pouco caso por muitos, a desinformação se torna hegemônica e, infelizmente, justo quem devia dar o exemplo se apresenta como o principal porta-voz do negacionismo que contraria as recomendações internacionais.
O momento que a humanidade está vivendo é, sem dúvida, ímpar em toda a sua história. Enquanto as pessoas estão forçadamente reclusas em suas casas, crescem diariamente os relatos sobre perdas e dores. Nessas situações calamitosas, é imprescindível ter como prioridade tentar buscar não os culpados, mas as soluções. Assim tem ocorrido nos países ora mais atingidos pela pandemia avassaladora, onde a progressão da curva de infectados, ao mesmo tempo em que assusta a população por seus números, também liga o alerta para a urgência das medidas drásticas a serem adotadas por seus líderes. A agressividade e a letalidade do vírus são impressionantes, e a medicina ainda não teve o tempo necessário para chegar a soluções seguras, capazes de impedir a sua propagação. A extrema seriedade na forma de se encarar e combater o vírus é unânime — ou quase. A bem da verdade, há uma vergonhosa exceção mundial nesse quesito.
No Brasil, o novo coronavírus ainda não foi totalmente compreendido por uma considerável parcela da população. Como por aqui ainda não chegamos ao número de mortes e casos confirmados por testes equivalentes aos de outros países, abre-se espaço para o surgimento de teorias conspiratórias, que envolvem desde uma suposta dominação comunista à prevalente desqualificação da letalidade do vírus. Registre-se: milhões de pessoas contraíram a doença ao redor do mundo, e centenas de milhares morreram em decorrência dela. Ainda assim, surgiu no país um movimento de novos “médicos” e “especialistas” que contrariam todas as recomendações da OMS acerca do assunto e incentivam manifestações populares pela volta à normalidade. Para piorar a situação, nosso presidente, que deveria ser o primeiro a refutar tais atitudes, é o que mais as propaga e adota em seu dia-a-dia.
Não à toa, países como Alemanha, Estados Unidos, Itália e o Reino Unido já solicitaram o imediato retorno de seus cidadãos que se encontrem em solo brasileiro. O cenário de futuro caos que se apresenta não precisa ser comprovado por nenhuma autoridade científica; é a consequência óbvia do que vem acontecendo diariamente. Para se ter uma noção: até mesmo uma semana nacional de reabertura do comércio já foi convocada, ignorando todo o conhecimento sobre a pandemia que existe até o momento. Há, por aqui, além de uma absurda negação da ciência, um confronto claro entre os gestores do sistema federativo, fazendo com que uma guerra que era para ser contra o vírus — um inimigo comum —, acabe sendo pano de fundo para declarações animalescas, em uma batalha política e de egos que parece nunca ter fim.
Obviamente, não é o caso de se desprezar o fato de que o lockdown irá gerar um colapso considerável na economia. A volta à normalidade, no entanto, deve ser planejada tendo como exemplos os países que são nitidamente mais preparados para situações tão desesperadoras. Até mesmo o Japão, cuja opção pelo isolamento vertical era apontada como exemplo, voltou atrás e determinou a quarentena de toda a sua população. Não há, portanto, nenhum parâmetro que justifique um isolamento vertical à brasileira, principalmente quando é notório que por aqui não há uma cultura de disciplina igual à nipônica, e que ainda temos milhões de pessoas vivendo em condições precárias — com certeza, as que serão mais afetadas por um provável agravamento da situação.
É curioso se questionar como os livros de história irão retratar o atual período nacional diante da pandemia. Até agora, percebe-se que ainda prevalece uma mística do famigerado “jeitinho brasileiro”, aquele que sempre consegue superar as grandes dificuldades através da malandragem. O problema está em se confundir esperteza com estupidez e em ignorar o restante do globo para escolher uma “verdade” falha e distópica. Por aqui, o vírus a se temer é duplicado: há o corona, mas há também o da ignorância. É de se lamentar que haja, entre gestores públicos, a adoção desse discurso imbecil, que humilha o país em nível internacional.
Há que se perguntar se o tal “jeitinho brasileiro” vai dar jeito para a morte. Só nos resta torcer para a pouquíssimo provável possibilidade de estarmos certos e o mundo todo errado, tá ok?!