Favor, não mergulhar no esgoto

Favor, não mergulhar no esgoto

Hoje, sem querer, dei um susto num sujeito. Aproveitando o ócio decorrente do confinamento compulsório, tenho, dentre outras coisas, feito telefonemas para pessoas com quem não falo há tempos. Cansei de enviar mensagens frias pelo smartphone. O dito-cujo, obviamente, ficou perplexo, estranhou a minha ligação e, conversa vai, conversa vem, antecipando a possibilidade de qualquer pleito financeiro da minha parte, foi logo dizendo que não tinha dinheiro sequer para emprestar aos mais chegados — seria eu um dos “mais chegados”? — pois, os negócios, você sabe — eu sabia… ô, se sabia… — iam mal à beça por conta da pandemia que tinha jogado as vendas na lona. Compreendi que tinha dado com os burros n’água e me despedi desejando saúde, paz e, claro, boa sorte.

Dinheiro não traz felicidade, mas, a falta dele poderá nos trazer enormes contratempos, inclusive, a falência, o desemprego, a sensação de abandono e até a fome. Só os ricos não temem nada. No máximo, sonham que estão sendo roubados por turbas de pobretões que pulam, mergulham em esgoto e não pegam doença nenhuma. Pior para eles que não têm lugar seguro no mundo para onde voar nos seus jatinhos particulares. Vivemos a pior pandemia da história, desde a gripe espanhola que dizimou, dentre outras pessoas, a minha bisavó. Proponho, portanto, na pequenez de um literato que odeia matemática, medidas imediatas, lunáticas, simplistas, para salvar os brasileiros dos efeitos nocivos da recessão que parece inevitável. É líquido e certo que não serei compreendido, muito menos atendido, nas minhas expectativas. Afinal, o establishment é sólido, errático e não entende patavina nenhuma de liberdade poética.

Para início de conversa, fiquem calmos, fiquem em casa. Acreditem na ciência, no conhecimento humano conquistado por mentes brilhantes ao longo da história. Histeria é pouco, Capitão: estamos à beira de um ataque de nervos. Confiem nas autoridades sanitárias. Lavem as mãos, porque lavar a égua vai ficar difícil de agora em diante. Rezar não será um mau negócio, desde que se evitem as aglomerações na sala de estar. De minha parte, ajoelhou tem que rezar. Minha mulher não gosta de brincadeiras com duplo sentido em horas como essa. Por ora, para o conforto e bem-estar dos meus leitores enclausurados, prometo dar um tempo e não escrever mais um daqueles textos tristes, melancólicos, que empatam uma boa foda. Aqui, agora, tudo será só fascinação e otimismo. Não é que o fim esteja próximo. É o início de uma nova era que está chegando. Prefiro acreditar que sairemos dessa situação melhor do que quando entramos. Mas, não sejamos tolos a ponto de supor que zeraremos a boçalidade humana.

Chegou a hora dos bilionários garantirem lugar no céu. Proponho que desapeguem, que retirem os escorpiões dos bolsos e façam doações vultosas ao governo. Se não o fizerem por livre e espontânea vontade, que o fisco, com a permissão do Congresso Nacional, lhes arranque o couro taxando fortemente as fortunas. Será preciso garantir pelos próximos meses uma mesada satisfatória aos cidadãos desafortunados, aos pobres em situação de risco, aos desempregados, aos trabalhadores informais que pararam de vender de um tudo por causa do confinamento massivo obrigatório. Para os que se mantiverem empregados nas pequenas e médias empresas, suplico que o governo federal acuda os empresários e ajude a manter os empregos, pagando metade dos seus salários. O medo de quebrar é grande. Eu que o diga.

Nada mal se as nações mais poderosas do planeta ajudarem com dinheiro vivo os países mais pobres. Não se trata de empréstimo, é doação mesmo, algo mais conhecido como caridade. Será de bom alvitre que os governos, nas instâncias federal, estadual e municipal, anunciem a anistia de taxas e de impostos pelos próximos meses, até que a pandemia amenize. Depois deste período, que eles diminuam a carga tributária, ao menos, pela metade. Aliás, a reforma tributária nunca foi tão urgente e necessária quanto agora. Vai faltar dinheiro ao tesouro? Nada que não se resolva com o resgate das bilionárias reservas internacionais que o Brasil possui. A hora é agora, senhores. É tempo de abrir o cofre, salvar o povo dos perrengues e as empresas da bancarrota.

Outra medida básica, alvissareira, será a garantia institucional de que nenhum indivíduo vai passar fome ou vai parar na rua, principalmente, se for criança ou velho. É fundamental manter acesa a chama de esperança por um mundo mais justo e, só conseguiremos isso se não permitirmos que o encantamento de estarmos vivos se desintegre. Sem ilusão, sem mistério, sem magia, a vida perde a razão. Ou será que estamos nesse planeta só para trabalhar, ganhar dinheiro e bater as botas? Se for só isso, prefiro o coronavírus.

Fotografia: Gerd Altmann 

Eberth Vêncio

É escritor e médico.