O Brasil, acompanhando o resto do planeta, assiste a uma das maiores tragédias cronometradas da sua história. Apesar de ter havido vários momentos em que outros surtos causaram temor e mortes pelo país, seguramente o coronavírus é uma das preocupações mais mortíferas, que acende o alerta para os momentos de contaminações fatais, em escalas progressivamente assustadoras, que ainda virão. Apesar disso tudo, há quem duvide da seriedade, deboche das consequências e diminua comparativamente os óbitos dele decorrentes. Seria cômico se não fosse trágico.
Analisando-se as grandes atrocidades que a humanidade já presenciou, certamente o lugar das piores possíveis ficaria com as duas grandes guerras, iniciadas em 1914 e 1939. Contudo, mesmo com os horrores imagináveis de confrontos que derramaram o sangue, em conjunto, de quase cem milhões de pessoas — fora os traumas dos sobreviventes, como os pesadelos recorrentes com a Katyusha Launcher russa e os dos sobreviventes do Holocausto —, apenas a gripe espanhola, sozinha, alcançou a metade do número de mortos de ambos os conflitos. A peste bubônica, idem. Os surtos de doenças, como Ebola e Zika, sempre foram devastadores, principalmente quando o seu controle ou sua cura demoraram a ser descobertos.
No Brasil, desde a chegada dos portugueses há registros de doenças que causaram pânico e mortes. A varíola, por exemplo, foi responsável direta pelo desaparecimento de incontáveis tribos indígenas. Assim como no famigerado “cocoliztli” — mal que dizimou mais da metade dos índios da América espanhola —, por aqui ocorreram diversas epidemias, muitas delas criminosas, contra os nativos. A tuberculose, outra praga cruel, foi disseminada pelos missionários e se propagou assustadoramente, com mortalidade bastante alta até os dias atuais. Há muitas outras lamentáveis histórias de graves enfermidades, causadas seja pela falta de saneamento, seja pela propagação de algum vírus fulminante.
Sem entrar no mérito de tantos outros surtos que assolaram nosso território ou de estabelecer qualquer espécie de ranking comparativo entre males, é certo que o coronavírus assusta pelo seu potencial expansivo. Não à toa, a Organização Mundial de Saúde classificou o vírus como uma pandemia sem precedentes. Os números, realmente, são aterrorizantes. Centenas de milhares de pessoas foram rapidamente infectadas, com destaque negativo para China e Itália. Deste último país, inclusive, vêm tormentosos relatos de médicos obrigados a escolher quem vai sobreviver ou morrer nos leitos hospitalares, dada a falta de estrutura para atender os enfermos. Cenas impressionantes de caixões enfileirados, às centenas, se tornaram constantes nos noticiários mundo afora.
Mesmo com todo esse cenário de tragédia, há quem acredite que tudo não passe de uma conspiração chinesa para alavancar a sua economia. Essas pessoas, que não são poucas — acredite! —, associam a pandemia a uma “histeria” coletiva, pois o coronavírus, segundo elas, não passaria de uma gripe comum e de baixa letalidade. Para elas, a dengue e o H1N1 seriam preocupações de fato, e todas as precauções para combater o coronavírus seriam formas de distrair a população para o real motivo escuso de sua existência: criado em laboratório, o coronavírus seria uma forma de fazer a China crescer ainda mais como potência mundial.
A maioria dos países do mundo adotou a quarentena irrestrita da população. Espaços coletivos de lazer foram interditados, aglomerações proibidas e a polícia está nas ruas para evitar que populares saiam de casa sem motivo sério. Em determinados lugares da Itália, relatos dão conta de mortes a cada meia hora. Nunca antes se viu, no Brasil ou lá fora, uma situação resultar em tanto caos social, com estoques de mercadorias sendo feitos por pessoas em pânico e isolamentos forçados aterrorizando famílias. E, em meio a tudo isso, os conspiracionistas conseguem descer a esse nível rudimentar de pensamento, provavelmente atrelado a uma considerável deficiência em suas capacidades cognitivas.
Na linha de raciocínio de baixa mortalidade associada, é imprescindível alertar que as outras doenças letais continuam a existir. Além disso, por mais que haja críticas compreensíveis ao regime do Partido Comunista da China, atrelar a pandemia a uma estratégia econômica que devastou sua própria população beira a psicopatia.
O nicho que continua a debochar e a desdenhar da situação deve saber que o faz sobre os corpos de milhares de vítimas fatais ao redor do mundo. Porém, em tempos de terraplanistas, negacionistas das mudanças climáticas e defensores da antivacinação, quem tem cérebro e sabe usá-lo é algo raro, e nada mais surpreende. Talvez seja esforço demais exigir empatia.