Vaso ruim não quebra. Ainda não será dessa vez que o mundo vai se acabar, por mais que isso fosse uma saída honrosa para o próprio criador, que foi o engraçadinho que começo tudo isso. É preciso enfrentar o medo com sentimento fraterno, bom humor e misericórdia pelos agnósticos. Portanto, é de bom alvitre seguir certos preceitos éticos de comportamento na hora que pintar desespero durante o enfrentamento (odeio este substantivo) às pragas apocalípticas, ainda que o apocalipse não se consuma. Há quem prefira o calipso. Eu não. Eu sou cria do rock and roll. Consumi Sukita com vodca batizada de origem suspeita e, mesmo assim, sobrevivi à maldição dos 27.
Desde que o homem perdeu a cauda e deixou de andar sobre quatro patas, a humanidade já esteve no bico do urubu um sem número de vezes. Peste bubônica. Sífilis. Gripe espanhola. Tuberculose. AIDS. Guerras. E outras desgraceiras, como a lambada e as ditaduras militares. Não estou querendo bancar o humorista. Deixo isso para os presidentes. Portanto, o ser humano adquiriu expertise suficiente para ficar firme sobre as tamancas na hora em que a porca torce o rabo. Como diria a Francinete, que dá expediente como stripper na boate Buraco Azul: “Há que endurecer sem perder a ternura”. Endureci, mas, perdi 200 mangos curtindo uma boliviana que se passava por tailandesa. Olhinhos puxadinhos, vocês sabem, acabei ludibriado pela moça.
É óbvio que não frequento os bordéis. Eu disse isso por força de expressão, liberdade poética e coisa e tal. Fato é que o Viagra e as redes sociais empoderaram (odeio este verbo), sobremaneira, os amantes medíocres e os sacripantas incultos. Pouco coisa pode ser feita a respeito. Vivemos a era da comunicação instantânea, da liberdade de expressão, da apologia à estupidez e do culto às opiniões de mau gosto vociferadas com orgulho inconteste por indivíduos que se julgam a última Coca-Cola gelada do deserto. De certo, há sede de notoriedade no terreno fértil da ignorância.
Viver é um mal necessário. A praga que hora atormenta o mundo responde pelo codinome de COVID-19. A pandemia faz a vida real parecer um daqueles filmes de calamidade, com orçamento tímido, roteiro tosco e maquiagem feita por principiantes. Estamos sendo testados a todo instante. O caos experimenta a nossa (des)humanidade. É como se o planeta fosse uma enorme estufa e nós, os camundongos de Deus. Quem sobreviverá às pipetas da panaceia?
Júlia está morando na França e me envia notícias quentes de última hora a respeito do surto de coronavírus naquele país. Vige o receio de que a situação se degringole, como aconteceu na Itália. Por ordem de Emmanuel Macron, as aulas foram suspensas e os estudantes instruídos a permanecer em casa até segunda ordem. Graças à tecnologia de ponta, que afasta e une as pessoas, conversamos todos os dias por meio dos modernos aplicativos de vídeo. Ela conta que esteve no mercadinho do bairro para comprar mantimentos, porém, deparou com as prateleiras desfalcadas, praticamente vazias. Tem muita gente em pânico fazendo estoque de alimentos e produtos de limpeza em casa, apostando no pior cenário.
Não sei aonde isso tudo vai dar. O Brasil começa a feder carbureto. De acordo com os especialistas, a contaminação poderá ser grande, apesar das condições climáticas tropicais inóspitas aos vírus. Pode ser que pessoas morram, em particular, velhos e indivíduos acometidos por doenças crônicas que afetam o sistema imunológico, deixando o organismo mais suscetível às doenças infectocontagiosas. Deitado no colo da melancolia, penso com afeto nos meus velhos. Que sobrevivam a mais essa.
Uma vez por semana, Maria, a faxineira, vem nos salvar da imundície e do caos doméstico. Hoje, ela não apareceu para o trabalho. “Peguei dengue, gente” , ela explica pelo whatsapp. Os pensamentos giram. Minha cabeça esquenta. Enquanto confiro se há larvas de Aedes aegypti flutuando feito astronautas nas reentrâncias das bromélias, lucubro como se comportarão as pessoas caso a doença pelo coronavírus evolua de forma massiva no Brasil. Em tempos de tamanho retrocesso ético-moral, ressentimento político e intolerância de todos os tipos, não consigo me sentir otimista o bastante, muito menos, seguro, quanto ao imprevisível comportamento do brasileiro se a situação azedar. Afinal, o vírus não é de direita, nem de esquerda. Que Deus nos proteja uns dos outros. Não somos flor que se cheira, como as bromélias. Será que vamos aprender a lição?
Fotografia: klimkin