Vou profanar. Neste 45º Dia Internacional da Mulher começarei pelo fim: a história do machismo estrutural brasileiro é a confissão do medo do poder feminino. Por que entreguei logo o desfecho do meu raciocínio? Porque temos pressa. Depois de 45 anos de celebração mundial, o contexto dos direitos deste 8 de março é muito pior do que a situação nos anos 1970, quando a data foi criada.
Estamos perdendo espaço de luta já consolidado no país e a equidade de gênero tem sido violada como muitas de nós já fomos. O respeito à causa tem perdido espaço em uma velocidade assustadora. Estamos mais desprotegidas. Há mais chances de sermos ainda mais espremidas em nossas relações: desconhecidos, chefes, amigos, parceiros, irmãos, pais e até filhos. Infelizmente, o feminicídio pode ser o desfecho mais frequente.
É que vivemos em um país que, hoje, reforça oficialmente o preconceito contra a mulher. O presidente da república legitima publicamente a violência moral e física contra as brasileiras. Seja inferiorizando a própria filha ao considerar o nascimento dela uma “fraquejada” dele por ela ser menina. Ou quando acusa a jornalista Patrícia Campos Mello de troca de favores sexuais por informação dizendo em tom jocoso que a profissional ‘queria dar o furo de qualquer jeito’. Isso porque ela fez uma reportagem sobre disparos em massa de fake news por whatsApp na campanha de Bolsonaro. Ao cometer esse pacote de crimes — de responsabilidade (falta de decoro presidencial), assédio moral, injúria, difamação e derivados — e não ser punido, outra vez o Estado estimula (a parcela da população adepta ao discurso sexista) a ofender, oprimir, bater, estuprar e até matar. É tão lamentável que não há palavra suficientemente capaz de expressar tudo o que isso significa.
Vejo esse fenômeno como um processo de deseducação generalizada que destapou a maldade e agressividade que já habitava em muitos de nós. Entendo que a inferiorização da mulher de hoje dialoga com a estrutura patriarcal de ontem. E que a situação só começou a ser desfeita porque a crise econômica obrigou as mulheres a trabalhar também fora de casa. Concluo que tudo isso vem do medo do poder feminino.
Para começar, reside em nós a tarefa de gerar a vida. Do nosso seio, sai alimento. Do nosso peito, pertencimento. A parte da educação que define a estrutura emocional dos filhos, na fase de 0 a 2 anos, é quase 100% desenvolvida pela mãe. Porém isso é apenas uma parte de nosso poder.
Homens perceberam que possuímos o dom da argumentação e mesmo em situações de desigualdade conseguimos ter alguma voz. Quando podemos exercer nosso potencial de forma justa, somos cientistas, filósofas, artistas, jornalistas, cozinheiras, pedreiras, caminhoneiras e um infinito de possibilidades. E, quando transformamos opressão em luta, reconhecemos que somos tão capazes quanto homens e temos valor único corremos para avisar as outras. Queremos todas unidas para exercermos nossas existências livremente. Isso pode ser entendido como ameaça por aqueles que educados sob a premissa que a força do homem é baseada na desvalorização da mulher. A esses, um esclarecimento simplificado: os maus tratos às mulheres falam mais da desvalia do homem do que da mulher. Exigimos respeito porque também respeitamos vocês. Não desejamos ser mais que ninguém. O feminismo é o movimento por direitos IGUAIS entre homens e mulheres. Nosso tamanho nos serve porque nossa potência é infinita.
Parafraseando Clarice Lispector, ‘felizmente nasci mulher. Sou o quê? Um quase tudo’. Vou profanar. Termino pelo começo: não queremos mais que o justo. Exigimos apenas a consideração que qualquer pessoa merece. No Dia Internacional da Mulher e em todos os outros dias.
Imagem: Mark Mook / Pixabay